Corpo do artigo
Na minha vida como diplomata, a divulgação das virtualidades do turismo em Portugal fez parte, com a promoção do comércio e a captação do investimento estrangeiro, do "triângulo" permanente da nossa ação económica externa. Em quase quatro décadas de profissão, com ciclos políticos muito diferenciados, esse módulo de interesses permaneceu constante, com maior ou menor alocação de meios para o impulsionar.
Devo confessar, contudo, que a explosão turística da última década constituiu, para mim, uma imensa surpresa. Se bem que, teoricamente, pudéssemos conceber que Portugal estava a reunir um conjunto invejável de atrativos para captar turistas estrangeiros - da segurança pública à qualidade da rede hoteleira, da afabilidade à gastronomia e vinhos, do sol & praia à rara especificidade dos novos destinos (Douro, Açores, turismo verde) - havia sempre a ideia, felizmente errada, de que outros conseguiriam suplantar-nos nesse campeonato.
Ainda há menos de uma década, como embaixador em Paris, tutelei várias campanhas para conseguir motivar os franceses a visitarem o nosso país. Os números de crescimento eram prometedores, mas nada que indiciasse o "surto" que veio a verificar-se.
Desde o início do desconfinamento, tenho visitado algum Portugal turístico. Já estive instalado em hotéis, fiz algumas refeições em restaurantes. Mas, como produto de essa experiência, quero dizer que estou cada vez mais apreensivo com os efeitos da pandemia na nossa indústria turística.
Olho, com profunda admiração, a reconversão estoica das unidades hoteleiras, que ousam abrir portas num mercado rarefeito, quase sem estrangeiros. Tenho apreciado o esforço fantástico de muitos restaurantes, não obstante os custos de adaptação ao rigor das exigências sanitárias. E posso imaginar o efeito que a atual situação acarreta para setores como os transportes, as indústrias de lazer e um conjunto de muitas outras atividades colaterais.
A prolongar-se o presente estado de coisas por muito tempo, é quase certo que vamos ter um recuo muito forte num domínio que representava já uma fatia muito importante da nossa riqueza nacional. E da nossa identidade.
Sei que alguns apoucam e desprezam o setor turístico português, que o olham com sobranceria, que acham agora graça às ruas desertas de estrangeiros. Talvez esses "génios" pudessem informar-nos onde Portugal pode ir buscar um produto substituto para captar recursos para o país.
PS - Deixo aqui uma palavra de saudade pelo fim da "Casa Aleixo", um marco histórico na restauração do Porto.
*Embaixador