Múltiplos balanços surgiram nos últimos dias na passagem dos 40 anos sobre o 25 de Abril. Então objetivos a atingir, os três D, correspondentes a Democratizar, Descolonizar e Desenvolver, fazem - e bem - parte do saldo positivo da Revolução. Todos os dados estatísticos são benévolos e contrariam saudosismos serôdios. Portugal é hoje um país diametralmente diferente e no qual nem sequer o acentuar recente de alguns índices de pobreza denigre o caminho entretanto percorrido.
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A exigência de mais e melhores condições de vida não é sinónimo de um país letárgico, parado no tempo.
É sempre possível, em qualquer fase da vida, encontrar focos de combate legítimo e detetar novos três D segundo o jogo semântico dos novos dias. Estando interligadas, Dívida, Desemprego e Depressão, por exemplo, são zonas justificativas de combate.
A sociedade portuguesa vive sufocada pelo nó górdio da Dívida e do Desemprego e, esfacelada, é incapaz de disfarçar uma enorme Depressão. Interromper a "produção" de vítimas apresenta-se quase como tarefa impossível, sobretudo atendendo à incapacidade de se obter uma linha de esforço coletivo, insensível à influência dos jogos de poder político e económico mas, simultaneamente, capaz de não alimentar contradições e focos de guerrilha entre gerações.
Conquistadas múltiplas virtudes pelo 25 de Abril, o país está hoje ensanduichado numa série de paradoxos dos quais fica uma marca de enorme preocupação: a falência de valores éticos e morais.
As práticas impostas para o combate à Dívida estão marcadas por austeridade não calibrada e dela resulta uma taxa de Desemprego pronta a espoletar convulsões sociais - cá como na maioria da Europa; Dívida e Desemprego caminham a par e são áreas manejadas de modo contraditório; o combate ao défice faz-se em larga escala pelo assalto aos direitos da geração grisalha, cortando-lhe mais e mais nas reformas e nas pensões, enquanto a falta de trabalho é lamuriada sobretudo para e pelos mais jovens. O resultado não podia ser pior. Sobretudo por se concluir estar, pelo aprofundamento da pobreza das gerações mais idosas, a dar-se cabo do balão de oxigénio assistencial de filhos e netos.
Este caldo tem tudo para acabar entornado.
O fomento desta guerra, sem um mínimo de valores dados como garantidos, agudiza a falência de uma estrutura fundamental: a da família. O materialismo puro e duro é, claramente, um dos malefícios detetáveis na sociedade construída no pós--25 de Abril, instalando a lei da selva nas próprias famílias. As notícias de maus-tratos de idosos, o seu abandono e o "assalto" aos seus parcos rendimentos caracterizam o pior do construído nos últimos 40 anos: a ganância.
Os novos D ditam, pois, preocupações novas, sobretudo quando se assiste à promoção de políticas nocivas sob um manto de silêncios cúmplices.