É raro o dia em que não surgem novas e contraditórias declarações do Governo sobre as medidas a adoptar para travar a crise e declarações incoerentes sobre obras faraónicas que pretendia fazer e que se calhar não vai poder concretizar. A única linha de rumo que se lhe conhece, para além da velha obsessão socialista em não cortar na despesa pública primária e sobrecarregar aqueles de nós que ainda conseguem ser contribuintes, é a de prejudicar o Norte em todas as suas decisões.
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Nesse aspecto, até o ministro das Obras Públicas, que se diz e desdiz em dias alternados, consegue ser absolutamente coerente: coerente no caso das SCUT, que o Norte paga primeiro, e o resto do país há-de pagar na semana dos nove dias; coerente no que toca à gestão do Aeroporto Sá Carneiro, e numa altura em que insiste em privatizar a ANA, ao mandar gastar dinheiros dessa empresa para que desvalorize a valia desse aeroporto, o que deve ser um caso único no Mundo: uma entidade pública que paga para desvalorizar um activo que pretende alienar. Coerente, também, no caso do TGV. Porto-Vigo e Porto-Lisboa ficarão para as calendas, e os fundos assim poupados serão encaminhados para o TGV que irá circular entre as importantes megacidades europeias de Poceirão e Caia. Pelo caminho, o concurso da terceira travessia sobre o Tejo terá sido adiado, não se sabendo se por imposição alemã, se por inconveniência no ranking das propostas, mas será reaberto, provavelmente com um custo mais elevado se houver que pagar indemnizações aos lesados.
Entretanto, e talvez para apaziguar os espanhóis, o nosso ministro reuniu com o presidente do Governo de Aragão, que tal como Portugal é uma região ibérica que quer agradar a Madrid, e garantiu que vai dar prioridade a uma linha de mercadorias que ligará o porto de Sines aos portos espanhóis e ao "resto da Europa", sugerindo que o investimento vai criar factores de competitividade para as empresas portuguesas. Só não especificou, e seria bom que o fizesse, quais são as empresas industriais localizadas próximo de Sines cujos produtos podem ser exportados por via-férrea para a Europa. Depois, com a mundividência que se lhe reconhece, falou da articulação de Sines com o canal do Panamá, com a sua importância nas rotas do Oriente, e do risco do tráfego ser desviado para Norte. Ora, se o terminal de contentores de Sines que pertence ao porto de Singapura (a quem foi entregue "de borla" por Guterres), precisa de uma linha de mercadorias para melhorar a sua competitividade, e se os espanhóis precisam de um porto atlântico de águas profundas para descongestionar os seus portos mediterrânicos e contrariar a sua continentalidade, pergunto-me se não deveriam ser eles a fazer esse grande investimento, deixando que os nossos exportadores locais, que não sei se existem, pagassem a sua utilização como nós vamos pagar nas SCUT.
É claro que o nosso país não precisa desse TGV nem dessa linha, mas nada a opor a que ela seja construída, se houver quem queira correr o risco e fazer esse investimento. Diferentemente no que diz respeito aos nossos recursos. Quanto a eles, seria bom que alguém, que podia até ser o ministro da Economia que anda desaparecido, explicasse ao chefe do Governo que não é tempo de sermos tão generosos e fantasistas. Aquilo de que precisamos é de uma ligação ferroviária para as nossas mercadorias, e essa não pode deixar de servir os nossos pólos exportadores que se concentram nas regiões Norte e Centro, e de se articular com os portos que servem essas exportações.