É sempre difícil conciliar as expectativas de uma população, ou segmento profissional, quando a perceção de um benefício, ou promessa, é mais tarde desmentida pela realidade.
Corpo do artigo
O caso recente dos professores, que baseados na expectativa criada pelo Orçamento do Estado para 2018, passaram a reivindicar a recuperação de um valor superior a nove anos de tempo de serviço, mas são confrontados com a decisão governamental em apenas considerar pouco mais de dois anos desse tempo. E o argumento que tem sido utilizado é o da indisponibilidade financeira do Estado para satisfazer tal requisito. O mais interessante é que neste caso, entre a expectativa criada, a natural reivindicação e o choque com a realidade, tem permanecido silenciosa a discussão inevitável sobre a sustentabilidade do modelo de progressão na carreira baseado, sobretudo, no fator tempo. Porque este será, provavelmente, o facto que importa encarar e discutir.
Também se criou, anunciou e reafirmou a ideia de que as progressões nas carreiras da administração pública estavam descongeladas. A realidade é que a esmagadora maioria dos colaboradores do Estado não viram até hoje qualquer benefício desse anúncio. No caso dos professores universitários, por exemplo, houve mesmo uma das maiores universidades públicas que se deu ao cuidado de alterar o seu regulamento de avaliação, por forma a anular, sem margem para dúvidas, qualquer hipótese do potencial benefício se transformar em realidade. E uma vez mais porquê? Pela razão simples e verdadeira da falta de meios orçamentais.
A expectativa criada sobre uma possível, diria que inevitável, revisão do conceito de ato médico, com a interceção da classe dos enfermeiros em muitas das práticas a ele associadas, foi promovendo uma espiral reivindicativa desta classe, com um impacto negativo muito elevado nos serviços de saúde. Greve que, entre outros fatores, tem fortes motivações na perceção de que o Governo dificilmente deixará de os olhar como as "Florence Nightingale dos tempos modernos".
Finalmente, as realidades do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na administração pública, a par do programa dedicado ao estímulo do emprego científico, estão ainda muito distantes das expectativas criadas. Como alguém um dia afirmou, a realidade é sempre mais dura que os nossos desejos e imaginação.
PROFESSOR CATEDRÁTICO E VICE-REITOR DA UTAD