A eleição presidencial brasileira traduziu-se num exercício político de rejeição. A vitória eleitoral caiu para o candidato menos rejeitado e não para quem mais mobilizou, ou que gerou mais adesão. E do mapa eleitoral resultou um vencedor claro: Lula da Silva. E um derrotado sem margem para dúvidas: Jair Bolsonaro. Mas sobretudo um país dividido. Jair venceu em 14 estados e Lula em 13. Em 118 milhões de brasileiros que foram às urnas, dois milhões fizeram a diferença entre quem ganhou e quem perdeu, numa eleição com seis milhões de votos invalidados.
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Foi com este retrato eleitoral nos ombros que, na terça-feira, Bolsonaro desceu as escadas do Palácio da Alvorada para comunicar, após umas longas 48 horas de silêncio, e com um país paralisado, ansioso e em suspenso, e as 48 horas de silêncio contam, e muito, que joga nas quatro linhas da Constituição.
Um presidente em funções e recandidato teria o dever ético de ser a pedra angular da normalidade democrática. Esperava-se que, finda a contagem eleitoral, que ninguém contestou, se dirigisse aos eleitores para dizer de imediato o que se esperava dele. E o que se esperava era tão-só o respeito democrático pelo resultado e a cordialidade de parabenizar quem ganhou.
Pelo contrário, o silêncio foi alimentado pelo bloqueio dos camionistas nas principais vias do Brasil, permitindo que a dúvida se instalasse. Há reconhecimento democrático ou não? Vai o resultado ser contestado ou não? Há tentativa de golpe ou não? As alegadas ponderações do presidente em exercício tornaram-se legítimas e perigosas, porque viverão para além da sua comunicação.
Depois Bolsonaro falou.
E falou para esvaziar a dúvida. Numa comunicação curta, dirige-se exclusivamente à sua base de apoio que, em larga medida, não aprecia subversões do regime. Posiciona-se como apóstolo da normalidade democrática, da "ordem e do progresso". E marca o campo de batalha pela liberdade religiosa, económica e de Imprensa. Nem uma palavra ao adversário que o derrotou. Falou apenas para quem nele votou, e fê-lo para garantir que não haveria debandada das suas fileiras. Esse era o risco da insurreição.
No fim, o resultado derrotou Bolsonaro, mas não o mata. A sua comunicação permite-lhe arejar sobre o futuro, mas a dúvida sobre até onde esteve disposto a ir ficou.
A verdade é que esse futuro dependerá do que Lula conseguir fazer. Foi ele quem ficou no comando. Mas Bolsonaro fica com a força da agitação e a expectativa do poder.
*Diretor-Geral Editorial