Estranha coisa a que, por estes dias, se enfiou na cabeça dos altos dirigentes da União Europeia (UE). À boca cheia ou à boca pequena, nos corredores ou nos gabinetes, nas conferências de imprensa, nas declarações de circunstância, nas reuniões de horas infindáveis, todos, mas todos, concordam, pelo menos, com o seguinte: a Grécia é o exemplo a não seguir. Mas, espantemo-nos (ou talvez não), é da Grécia que vem o exemplo a seguir.
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A Grécia não paga os empréstimos que, uns atrás dos outros, lhe vão sendo concedidos (diz-me quem visitou recentemente o país que os gregos vivem bastante menos angustiados do que nós, por terem a certeza disso mesmo: se um empréstimo não chegar, outro virá...). Quer dizer: o critério do pagamento integral da dívida no tempo previsto, que honradamente os nossos primeiro-ministro e ministro das Finanças tentam cumprir, é uma coisa irrealista. Para os gregos e para quem lhes empresta euros.
Em bom rigor, ninguém sabe como acabará esta tragédia grega. Mas todos sabem que não acabará tão depressa. Em bom rigor também, todos sabem que o modelo inicial de assistência financeira está há muito ultrapassado, porque pelo meio se meteu uma variável chata chamada realidade - é hoje evidente que a dívida e os juros e os prazos e tudo o que é obrigação do devedor perante o credor tem um grau de consistência muito reduzido.
Tomemos o caso de Portugal. Foi precisa uma nova renegociação com a Grécia para que, como quem não quer a coisa, o nosso estimável ministro das Finanças pudesse dizer-nos que também nós vamos ter, se Deus quiser, mais tempo para pagar o que devemos, juros um bocadinho mais baixos e um período de carência de dez anos. Tradução: vamos poder respirar um bocadinho melhor. Em princípio, porque o monstruoso Orçamento do Estado para 2013 pode muito bem sorver num ápice essa bolsa de ar.
O ponto é, portanto, este. Andaram a dizer-nos que a Grécia é o mau exemplo; mas, afinal, é a Grécia que indica o caminho. Há uma certa dose de loucura nisto, não há?
Há, mas não só neste tema, para mal dos nossos pecados. A UE também propôs, no âmbito da negociação dos fundos comunitários para o período 2014-2020, entregar um cheque extra de mil milhões a Portugal. Distribuição: 900 milhões para Lisboa, 100 milhões para a Madeira. Juro que a lógica disto me escapa por completo. As nossas assimetrias regionais são brutais o centralismo galopa - e a proposta é: atire-se dinheiro para a região mais rica do país.
Não é normal. Como não é normal não se ter ouvido, ainda, um pio das comissões de coordenação regionais, das comunidades intermunicipais, das associações de municípios, das associações comerciais e industriais... Aguardemos, pacientemente, que acordem.