Sabe-se lá se por ser constituído maioritariamente por gente sem experiência de vida ou, à conta disso, por seguir o assessoramento tático de uns jovens imberbes e especializados apenas na espuma das redes sociais, o Governo bicéfalo de Passos Coelho e Paulo Portas dispõe de uma característica especial: adora armar-se em científico, cenarizando um laboratório repleto de anjinhos (ou cobaias?).
Corpo do artigo
Acossado pela exigência exterior de boas contas, é cíclica a mania: sem um qualquer desígnio para o país, o Governo adota a estratégia do lançamento de fumos. Usa meia dúzia de mensageiros-papagaios para o estardalhaço. E fica à espera das reações; e em função delas ou prossegue para bingo, tentando caçar dinheiro em tudo quanto mexe, ou, então, recua e procura safar-se de escoriações na imagem.
A tentativa de fazer a trasfega de uma parte da TSU do bolso dos trabalhadores para o das empresas é, tão-só, o mais afamado caso. O tiro, todos se lembram, saiu então pela culatra e Passos Coelho, o enunciador do modelo mal estudado e pior comunicado, não teve hipótese: perante a indignação geral foi engavetado. Mas ficou o gosto......
O cardápio dos ensaios não tem tido parança e os primeiros dias deste ano já para ele contribuíram por uma das vias mais sensíveis: a dos reformados e pensionistas.
Ai o Tribunal Constitucional inviabilizou a obtenção de uma receita da ordem dos 388 milhões de euros através do corte de pensões da Caixa Geral de Aposentações?
Nada que saber. Passos Coelho e a sua equipa retomam o modelo da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, antes em vigor numa grelha entre os 3,5% e os 10% e aplicada apenas a reformados beneficiários de valores superiores a 1350 euros. Problema, entre muitos outros: o anúncio desleixado no final de uma reunião do Conselho de Ministros, a 2 de janeiro. Sem um modelo definido para divulgar, sobrou um escusado alarme social e, evidentemente, o alastramento de preocupações.
Um erro de palmatória? Talvez só na aparência.
Como já sucedeu com as chamadas pensões de viuvez - primeiro deixou-se difundir um valor miserável do confisco para a seguir surgir Paulo Portas a estabelecer patamares mais magnânimos de subtração - o Governo bem pode tentar controlar os estragos da retoma da Contribuição Extraordinária de Solidariedade. Basta que o anúncio final, previsto para hoje, suba uns cêntimos dos 938 euros "soprados" nos últimos dias, o patamar a partir do qual se prevê passe a levar por tabela a geração grisalha.
Como se não houvesse impacto de decisões nefastas para a vida de uma parte substancial da população portuguesa, fazer anunciar o dilúvio e a seguir tentar amortecer as suas consequências está a transformar-se num truque demasiado vulgar.
Seja qual for a grelha definida para a retoma da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, algo será sempre indisfarçável: os indefesos reformados são o alvo preferencial do Governo para a redução da despesa pública. Afinal, é sempre mais fácil ser forte com os fracos....