O Serviço Nacional de Saúde é, indiscutivelmente, uma das grandes conquistas do país pós-25 de Abril. Tornou-se numa emblemática marca de igualitarismo no acesso a cuidados de saúde dos portugueses. Para pobres e ricos, cultos e analfabetos, numa rede alargada, de norte a sul, do litoral ao interior.
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Bom, o conceito de Saúde gratuita para todos parte, no entanto, de um pressuposto cada vez mais irrealizável, à medida que o envelhecimento da população aumenta na razão direta da falta de crescimento económico do país. O Estado dispõe de cada vez menos meios para financiar o sistema e das duas uma: ou é rígido na gestão, combatendo desperdícios e obtendo ganhos de produtividade graças a políticas de concentração de serviços, embora geradoras de danos à comodidade dos cidadãos, ou, então, mais cedo do que tarde, terá, agravando taxas moderadoras, de pôr fim ao acesso igual a quem dispõe de condições económico-financeiras diferenciadas. Manter os padrões iniciais do Serviço Nacional de Saúde é pura música ideológico-celestial.
Sendo o país incapaz de manter a universalidade do Serviço Nacional de Saúde resta, assim, uma missão quase impossível: consensualizar um sistema no qual os mais desfavorecidos permaneçam salvaguardados. Um princípio cuja prossecução, sem sofismas, passa por políticas para as quais os vários agentes do processo sejam chamados a cooperar.
Não por acaso, o Ministério da Saúde está entregue a alguém de alto perfil técnico: Paulo Macedo. E o ministro bem se tem esforçado em racionalizar custos, tratando de provocar os menores prejuízos aos cidadãos. Uma missão para a qual, no entanto, lhe falta peso político para, usando a técnica do flic-flac, não tergiversar e ser capaz de convencer populações e profissionais de Saúde da bondade das suas práticas.
Um tal défice de Paulo Macedo cria o óbvio: o apetite de várias corporações para o "abocanharem".
Explica-se, assim, o lamentável espetáculo em que se transformou a desinteligência entre dois sindicatos médicos - apoiados pela Ordem! - e o Ministério da Saúde. Até para pressionarem a aceitação de extenso caderno reivindicativo, os médicos têm todo o direito de convocar uma greve geral para as próximas quarta e quinta-feiras. Inaceitável é a recusa em sentarem-se à mesa de negociações - como ontem voltou a suceder - sob o patético argumento de que não são resolúveis em três dias as divergências de meses e admitindo que sexta-feira, sim, ah!, sexta-feira já poderão reunir-se com a equipa do Ministério da Saúde.
Quando se estima que a greve de dois dias adie cinco mil cirurgias e 400 mil consultas, os médicos que assim se comportam não dão prioridade à resolução dos problemas de classe ou à defesa dos utentes do Serviço Nacional de Saúde. Assemelham-se bem mais a comissários políticos. Intoxicados.