Há quem lhe chame a nova Guerra Fria, há quem a compare, na animosidade económica e diplomática gerada, à corrida global pela conquista do Espaço.
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Há quem lembre o açambarcamento de vacinas protagonizado pelos países ricos durante a gripe suína, em 2009, para antever uma repetição sombria dos acontecimentos. Há, inclusivamente, quem tema que os espíritos nacionalistas contaminem a discussão que vai marcar o curso do Mundo nos próximos meses. E que se resume a duas perguntas: 1. Que país descobrirá primeiro a vacina contra o coronavírus? 2. Uma vez encontrada a cura, vai o seu acesso ser democratizado?
Estados Unidos da América e China são os beligerantes naturais de uma guerra que se agiganta à medida que a corrida por um tratamento eficaz perde a vocação original de uma maratona e assume a urgência de uma corrida de 100 metros barreiras. Quem chegar primeiro abre primeiro a economia e ganha ascendente. A vacina não é apenas um poderoso instrumento sanitário. É um símbolo de afirmação geopolítica. Representa muito dinheiro. Por isso é que a questão do acesso livre e democrático ao medicamento que pode devolver a rotina plena às nossas vidas nunca foi tão premente nem, paradoxalmente, tão difícil de garantir como agora.
Apesar dos esforços da OMS e de alguns países europeus, nem os americanos nem os chineses parecem estar comprometidos com uma solução global de longo prazo. Ora, não sendo de todo previsível que americanos e chineses cheguem à vacina ao mesmo tempo, isso levanta outro problema, relacionado com a produção em massa. Nenhum país tem capacidade para fabricar e distribuir isoladamente uma vacina global. Portanto, aqui chegados, há dois cenários possíveis: ou esse país se fecha em copas, serve os seus e distribui as sobras; ou assume uma estratégia de cooperação global, disseminando a cura, o investimento financeiro e o conhecimento científico. Nesta difícil mas necessária projeção de um entendimento sino-americano há, porém, detalhes que fazem perigar qualquer desejo de sucesso. Donald Trump quer ser reeleito e, com isso, apagar (como se fosse possível) a gestão desastrosa que tem feito da pandemia. E a China, onde tudo isto começou, quer não apenas livrar-se desse anátema, como dar um passo em frente na afirmação da sua autocracia económica, provando que, além da fábrica, também consegue ser o laboratório do planeta. A vitória de um será sempre a derrota do outro. Ao Mundo só resta esperar pela picadela.
*Diretor-adjunto