É praticamente impossível analisar com serenidade o que se está a passar no Mundo. Convém recordar que a pandemia ainda não terminou.
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Paradoxalmente, toda esta movimentação brutal de pessoas, sobretudo a caminho da Europa do Oeste, configurará um "teste" gigantesco ao regresso da chamada "normalidade" nesta matéria. Porque o conflito em curso na Ucrânia impede, pelos tempos mais próximos, que se pense "normalmente". Os equilíbrios de poder internacionais estão de novo em causa. Sublinho "de novo" porque nada disto é novo. Entre 1848 e 1918, a Europa, graças a essa "doutrina" do equilíbrio de poder entre as principais potências - Rússia, Império Austro-Húngaro e Prússia, temperada por alianças diplomáticas "oportunistas" com a França e, para facilitar, a "Itália" das revoluções - acabou por conhecer um longo período de paz. Que terminou estrepitosamente em Sarajevo quando um nacionalista sérvio disparou sobre a monarquia austro-húngara. Sobreveio a Grande Guerra à qual a República do doutor Afonso Costa, comovidamente, não nos poupou. O desmembramento do império austro-húngaro e a emergência dos EUA na geopolítica do século XX mudaram tudo. Na Segunda Guerra, a tenaz militar vinda da Rússia estalinista foi fundamental para garantir os desembarques marítimos aliados e o esmagamento do regime nazi. Custou-lhes 25 milhões de vidas. E íamos agora, então, outra vez embalados por outro longo período de paz europeia e de acompanhamento sossegado, ao longe, pela televisão, de outras guerras e de outras invasões, quando a coisa rebentou perto da "grande porta de Kiev". É claro que já tínhamos visto o que acontecera no antigo território jugoslavo, na Bielorrússia, na Crimeia, na Síria, etc. Tudo, porém, fruto conjugado da mesma circunstância: o desmembramento de outro império no final do século XX, o da União Soviética com a consequente elevação dos nacionalismos. Os EUA abeberaram o mais que puderam os nacionalismos do Leste europeu. A União Europeia absorveu-os, "nacionalizando-os" em Bruxelas. O que determinou o avanço da NATO até às sensíveis fronteiras da Federação Russa. Compungido, o nosso inefável dr. Barroso afirmou um dia destes que até ele próprio, após umas vinte e tal conversas com Putin, tinha de reconhecer que não o entendeu. Todavia, Putin, pelo menos desde 2007, em Munique, andou por todo o lado a explicar que a Federação estava atenta à presença da NATO por perto. E que, nomeadamente, a eventual adesão da Ucrânia seria inadmissível em termos da viabilidade russa. O acordo de Minsk acabou aos olhos frios de Putin. A tenaz militar da Federação aperta-se sobre uma Ucrânia capacitada, já pouco discretamente, por um Ocidente envergonhado. Milhões de refugiados estão em movimento. A economia mundial recessa, também pelas sanções, quando ainda mal recuperava, como explicou o FMI no fim-de-semana. "O lado certo da História", em 2022, é uma falácia perigosa. Por isso, prefiro a que já conheço. O que não me serve de consolação.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
Jurista