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O favorito nas sondagens para as eleições presidenciais austríacas era Norbert Hofer, o candidato do Partido da Liberdade - uma força política da extrema-direita com um programa populista, ferozmente antieuropeu, e um discurso incendiário contra o acolhimento dos refugiados que através do Mediterrâneo e da Península Balcânica tentam desesperadamente chegar à Europa. Apesar do seu nome enganador, é um partido que pertence à mesma família política do Front National de Marine Le Pen, em França, da Aurora Dourada, na Grécia, e de outros aparentados que hoje partilham o poder na Holanda, na Hungria ou na Polónia: racistas, xenófobos e simpatizantes das correntes fascistas que derrubaram os regimes democráticos, arrastaram a Europa para a Segunda Guerra Mundial e fabricaram o Holocausto nazi.
Iria ser preciso aguardar pela contagem dos votos por correspondência para se conseguir apurar o nome do vencedor das eleições presidenciais austríacas. E ainda que por margem bem modesta, o novo presidente, enfim, é um homem de confiança - Alexander van der Bellen, o candidato apresentado pelos ecologistas, antigo dissidente do partido dos socialistas austríacos, que fez questão de se apresentar aos eleitores como descendente de refugiados e que soube conquistar na segunda volta o apoio dos eleitores dos candidatos dos dois maiores partidos, derrotados com resultados humilhantes.
Ultrapassado o susto, convém lembrar que a história se repete e assume dimensões cada vez mais graves. No ano 2000, o chefe do Partido da Liberdade era Jörg Haider que só não chegou a primeiro-ministro da Áustria, no âmbito de uma coligação de Governo com os democratas-cristãos, porque a Europa não deixou. Mas o acordo subsistiu e a chefia do Governo acabaria por recair no líder do parceiro menor da coligação - o democrata-cristão Wolfgang Schüssel - apesar de o seu partido ter ficado em terceiro lugar nas eleições, atrás dos neofascistas a quem foram atribuídas cinco pastas ministeriais. E foi esta a primeira vez que a extrema-direita regressou ao poder, para integrar um Governo da União Europeia, decorrido pouco mais de meio século desde o fim da guerra.
Encontrava-me em Viena, há 16 anos, quando a Europa reagiu indignada aos acordos espúrios celebrados entre democratas-cristãos e neofascistas. O Conselho de Administração do Observatório Europeu do Racismo, da Xenofobia e Antissemitismo - por ironia da história, a única instituição europeia com sede na Áustria, por essa altura - convocou para uma reunião em Viena todos os seus membros, o que envolvia os representantes dos Estados, da Comissão, do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa. Não faltou ninguém e foi por unanimidade que um colégio tão prudente, institucional e heterogéneo, como era esse Conselho de Administração, deliberou aprovar uma tomada de posição pública que começava justamente por invocar "a histórica declaração de princípios" que o primeiro-ministro de Portugal, António Guterres, pronunciara em nome dos Estados da União Europeia. Além da imposição de sanções de cariz diplomático, a declaração da presidência do Conselho Europeu - que então cabia a Portugal - reiterava solenemente a obrigação dos partidos políticos democráticos de recusar quaisquer concessões às forças políticas que instigam a intolerância e o preconceito.
As sanções adotadas contra o Governo austríaco, contudo, não perduraram por muito tempo e, infelizmente, são bem conhecidas as cedências e os compromissos que então se achava inadmissíveis, mas que se foram entretanto multiplicando e acabaram por envolver os parceiros mais improváveis nos mais inesperados lugares. Há que mudar de rumo, antes que seja tarde.