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A direita, em Portugal, só governará se alguém à esquerda lhe fizer esse favor". Esta foi a ideia-chave que Rui Tavares, líder da "candidatura cidadã" Livre/Tempo de Avançar, lançou na semana passada em entrevista a João Fernando Ramos, na rubrica Página 2 da RTP. Num país pouco dado a ouvir os mais pequenos, sobretudo quando pensam diferente do "mainstream", esta é uma afirmação que pode ainda vir a ser recuperada quando, a 4 de outubro, se conhecerem os resultados de umas legislativas que se antecipam renhidas.
Com mais ou menos margem de erro, as sondagens até hoje conhecidas têm demonstrado um padrão que se explica em três dados objetivos. Primeiro, um grande equilíbrio entre a coligação PSD/CDS e o PS, algures na zona dos 35%, embora com ligeira vantagem para os socialistas. Depois, a restante esquerda que, toda junta, vale cerca de 20%, metade dos quais cabem aos comunistas da CDU, um quarto ao BE e outro quarto à soma de PDR e Livre. Estas são projeções que ponderam os indecisos, os quais são justamente o terceiro dado importante pelo facto de, a um mês das eleições, estarem ainda acima dos 20%.
Os líderes dos maiores partidos, quer porque não podem abrir brechas pelas quais possam escapar preciosos votos, quer porque acreditam ainda convencer muitos dos indecisos, mantêm compreensivelmente o discurso da maioria absoluta. O debate do dia 9 entre Passos Coelho e António Costa pode muito bem marcar a descolagem de uma das candidaturas. As sondagens, todavia, mostram que, não sendo impossível, será extremamente difícil uma qualquer maioria absoluta. E na noite de 4 de outubro, o fiel da balança serão necessariamente os partidos à esquerda do PS.
Como é habitual em democracia, o dia do ato eleitoral marca uma alteração de paradigma no discurso dos candidatos. Perante a expressão dos eleitores, já pouco importa a belicosidade da campanha. É hora de "fair play" e de cada um assumir as suas responsabilidades. Ora, do lado da direita, não se antevê espaço de manobra para completar a maioria absoluta. Mas à esquerda o PS tem ainda a possibilidade de se socorrer de alguns dos deputados eleitos por 20% dos portugueses. As perguntas, simples, estão aí. Vai esta esquerda, como dizia Rui Tavares, fazer o favor de permitir que a direita seja reconduzida no poder? Serão bloquistas, comunistas, livres e democratas republicanos capazes de aceitar as regras da democracia e colocar entre parêntesis algumas das suas propostas mais radicais, de forma a viabilizarem uma solução de governo para Portugal?
*PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO MINHO