Numa semana em que se multiplicaram os cenários especulativos na tentativa de adivinhar o desfecho da proposta de 'salvação nacional' preconizada pelo presidente da República, mais um contributo nunca é demasiado. E, tendo em conta a "urgência" que Cavaco Silva diz ter para resolver a putrefação governativa atual - ao ponto de ter emitido um comunicado a dar conta da pressa em pleno debate do estado da Nação -, o ideal seria que o próprio presidente assumisse as rédeas da mediação. Fora da sombra, sem jogos de bastidores e que, sem mediador, voltasse a surpreender.
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Primus inter pares, Cavaco deveria promover uma espécie de versão 'Big Brother Belém' juntando num generoso anexo do palácio todos os protagonistas da crise governativa (menos, claro, os que já saíram ou foram expulsos da casa nos últimos tempos) e o desejado António José Seguro. Todos juntos, mesmo sem a restante Esquerda que Seguro quer arrastar consigo para dentro da casa, tentariam ultrapassar divergências viscerais. Uma tarefa, no mínimo, improvável e na qual só o PR parece acreditar. Ontem, foi a vez de mais um histórico do PSD explicar por que razão o acordo é utópico: "os partidos da coligação governamental têm hostilizado o PS", lembrou Mota Amaral para deixar subentendido que, agora, a vingança socialista poderá ser servida fria.
Sem confiar no Executivo de Passos e Portas após a trapalhona saída de Gaspar, Cavaco decidiu "dar a cenoura ao PS" (Marques Mendes dixit), mas na verdade o que fez foi entalar o partido de Seguro, votando-o ao interior de quatro paredes onde não deseja estar. Pressionado para viabilizar um entendimento, o PS parece não abdicar das eleições antecipadas em 2014, tal como sugeriu Cavaco, nem de levar para o diálogo o PCP e o Bloco. Ao PSD e ao PP, por sua vez, custa engolir a ameaça do chefe de Estado que, na prática, transforma o atual Executivo num governo de gestão. Agonizante e sem rumo até à anunciada ida antecipada às urnas.
Pelo meio há a tão famosa pressão dos mercados e a subida das taxas de juro, fatal para a nossa avaliação externa. Ou seja, estamos perante um cocktail explosivo. E Cavaco Silva sabia-o quando desenhou uma estratégia provavelmente inevitável, mas de alto risco e seguramente ineficaz, ao tentar manter na corrida um Governo coxo e fatigado. Por tudo isto, o 'Big Brother Belém' reuniria todos os ingredientes para se transformar num picante, prolongado e perigoso reality show da política nacional. A falta de tempo, contudo, obrigaria Cavaco a um envolvimento incomparavelmente maior do que o de Teresa Guilherme. Já se imaginam algumas cenas na casa: Passos a tentar seduzir Seguro junto à piscina, com Portas por perto a olhar de soslaio ora para os dois, ora para Maria Luís Albuquerque, equipada a preceito e a postos para um mergulho. Não muito longe, veríamos Álvaro Santos Pereira a cochichar pelos cantos numa tentativa desesperada de saber o que o futuro lhe reserva, identificando quem o quer expulsar.
No final da extenuante intriga, permaneceremos na mesma. Do outro lado das câmaras do BBB, Cavaco terá pouco mais alternativas do que expulsar todos da casa. E, sem vencedores, voltar a dar a palavra aos portugueses. No mais curto prazo, como ainda estes dias pediu.