Entre o Brexit e o discurso do Estado da nação de Trump, desapareceu George Steiner, um dos maiores pensadores europeus contemporâneos.
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E os dois pontos temporais entre os quais se extinguiu são um sinal da clarividência premonitória com que no seu discurso no Nexus Institute, Amesterdão, em 2003, traçava o perfil europeu e o seu futuro ameaçado.
A Europa de Steiner define-se a partir de cinco axiomas fundamentais .
A Europa dos cafés. "Da cafetaria preferida de Pessoa em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel". O café, aberto a todos, "local de entrevistas e conspirações, de debates intelectuais e de mexericos (...)".
A Europa percorrida a pé. "A cartografia da Europa é determinada pelas capacidades, pelos horizontes percecionados dos pés humanos". Das comunidades monásticas que estruturaram a dorsal europeia hoje revisitada no caminho de Santiago.
A Europa "lugar de memória". "Até uma criança na Europa se dobra sob o peso do passado como tão frequentemente se dobra sob o peso das mochilas escolares demasiado cheias".
A Europa herdeira de Atenas e Jerusalém. Numa tensão irresolúvel entre a razão grega e a fé de Jerusalém.
A Europa com a consciência do seu próprio fim. Marcada pela "expectativa de um fim para o nosso mundo" a Europa continua a ser, a espaços, verdadeira "casa de morte" em confrontos de violência inaudita e verdadeira tendência suicida.
Dito isto, devíamos perceber que "a americanização, a redução à burocracia gestora da vida do espírito" tão cruamente evidenciada pelo discurso de Trump, ou a insistência na padronização imposta por um banco central ou por um sistema de ajudas à agricultura ou à coesão de planificação soviética não são as respostas para a sobrevivência primordial da Europa.
E talvez o Brexit seja, afinal, um sinal dessa via "difícil de discernir" que estimule na Europa "uma revolução contraindustrial" que traga novamente ao de cima "o génio da diversidade linguística, cultural e social, de um mosaico pródigo que muitas vezes percorre numa distância trivial, de 20 km, uma divisão entre mundos".
Analista financeira