Paridade para que te quero. Podemos olhar para as coisas querendo-as bem e desejando infinitamente o melhor. Podemos admirar a obra-prima da criação numa espécie de pare, escute e olhe, colocá-la num pedestal, encomendar a redoma de vidro mais perfeita e livrá-la do mal. À mãe, à mulher, à amiga, ao feminino de género. Mas se no íntimo sentimos que ela não pode ser igual em tudo, tal e qual os outros, a notícia ensombra-se. Ainda que o Papa Francisco deseje mais teólogas na Igreja católica, sabe-se como as mulheres foram excluídas do diálogo com a fé dos homens desde que Cristo encomendou a última ceia. Só homens foram, só homens são.
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O apelo do Papa para a presença de mais mulheres na teologia não resolve a questão de saber por que mistério insondável não podem elas ser ordenadas. O sacerdócio não combina com o género, nem sequer com quem faz género de sedução na Comissão Teológica Internacional, organismo ligado à Santa Sé: "As mulheres são como os morangos num bolo, são sempre precisos mais", Papa Francisco em "soundbite" e no estilo livre que o caracteriza. Uma espécie de enfeite, portanto, ainda que desejável. E, neste caso e dado o melindre, dispenso escrever qualquer palavra sobre questões de palato. Para a Igreja Católica, "Strawberry fields, forever".
Sem pôr em causa o espírito mais progressista e mundividente deste papado, é evidente que o folclore aparece e para todos os gostos. Aliado aos números que nos dizem que a crise de vocação masculina é inegável (em Portugal, por exemplo, passamos de 4443 sacerdotes em 1970 para cerca de 2500 actualmente), seria absolutamente defensável que as mulheres pudessem começar a sentar à mesa com a fé. Mas esse é um desafio que a Igreja não abraça humildemente tendo em conta que não se sente autorizada a mudar uma prática instituída pelo seu próprio Fundador. À mesa só havia apóstolos. "Convido-vos a tirar o melhor proveito deste contributo específico das mulheres para a inteligência da fé", refere o Papa. "Tirar", extrair. "Proveito", ganho. "Específico", este, não outro. Estamos - ainda que vestindo a pele da aproximação - perante o discurso mais conservador deste Papa no que diz respeito à igualdade entre homens e mulheres, o que não surpreende tendo em conta que aponta ao papel da mulher na Igreja. Se de cima (neste caso, em tantas acepções) deve vir o exemplo, espontaneamente se faz a extrapolação para a vida. E independentemente da história e das razões que só o mistério divino pode decifrar, o exemplo que o catolicismo aqui nos deixa nem é de quotas para o género, é de exclusão pura e dura.
Adefesa e valorização da mulher no seio da Igreja tem sido um tema muito debatido na teologia americana, sobretudo por muitas teólogas progressistas, algumas das quais pensam algo mais para si do que representar um simples papel lubrificante de ideias. Como muitas outras mulheres, gostariam de sentir no Vaticano a vontade de reflectir sobre a presença que devem ter dentro da Igreja, deixando de ser verbo-de-encher. A prática da igualdade não pode ser só uma profissão de fé, tem que ser uma manifestação da mesma. O Papa Francisco fala do "génio feminino" quando poderia começar a falar do "género feminino". Com o credo nas mãos. Depois de João Paulo II ter excluído peremptoriamente a hipótese, é de uma nova prática que muitos crentes e não crentes dele esperam enquanto Homem. O exemplo. Mais do que a questão do celibato (uma questão de opção, em última análise) e pelo contra-senso igualitário que encerra, a verdadeira pendência fracturante no discurso da Igreja devia centrar-se na ordenação das mulheres. O discurso sedutor não pode esbarrar na desigualdade e prosseguir para o convite.