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A ironia da mais recente revolução ucraniana - vá ela em que sentido for e hoje ainda não é clara a sua direção - foi exemplarmente descrita pelo especialista em estudos europeus Timothy Garton Ash. A teoria do catedrático de Oxford é uma equação simples num xadrez demasiado complexo e que se resume à sua convicção de que "o futuro da Ucrânia é muito mais importante para a identidade nacional da Rússia do que o da Escócia para a da Inglaterra". E porquê? Porque com a Ucrânia, defende Garton Ash, o país de Vladimir Putin continuará a ser um "império" e sem ele será convertido num Estado-nação. Acontece que a revolução ucraniana em curso poderá abrir mais uma brecha na frágil condição de um país tornado independente após o desmoronamento da antiga União Soviética, em 1991.
Um Estado formado por territórios de origem diferenciada e influências externas tantas vezes antagónicas. Os exemplos multiplicaram-se ao longo dos séculos, sendo que à unidade administrativa do país (mesmo enquanto república da URSS com direito a representação própria nas Nações Unidas) nunca correspondeu uma harmonia territorial ou mesmo linguística. Esta manta de retalhos é formada na atualidade por 24 províncias e uma região autónoma, a Crimeia (pró-russa), profundamente opositora das pretensões pro-europeístas dos revolucionários da praça da Independência, em Kiev.
É certo que em momentos de prosperidade, nomeadamente económica, a clivagem entre a Ucrânia ocidental, sedenta de uma aproximação à Europa da União, e a de Leste, herdeira do legado russo, tende a esbater-se. Todavia, este é um momento fraturante para o país. Socialmente e, também, financeiramente. O resultado da conjugação das duas pode ser explosivo no período que se vai seguir a esta revolução, considerada por meio país como um "golpe de Estado".
Em plena crise, a Standard & Poors cortou o 'rating' ucraniano de CCC+ para CCC por considerar que a situação de indefinição política em Kiev teria um efeito devastador nas finanças. E a conjuntura só tende a piorar. Sem o aliado Vitor Ianukovich no Poder, a torneira do apoio financeiro russo vai certamente fechar, deixando a Ucrânia ainda mais asfixiada.
Em termos sociais, o caso não muda de figura. A fação do país que apoiou Ianukovich e as suas políticas reconhecidamente corruptas fica, agora, também colada à carnificina dos últimos dias. A Oposição acusa o presidente em fuga e os seus partidários de terem as mãos sujas com o sangue que, paradoxalmente, deu também a machadada final no regime. A questão agora é saber como o Poder que se segue vai conseguir manter o país unificado. A tarefa é complexa e será preciso mais do que os apelos à união de todos feitos ontem mesmo por Yulia Timoshenko, à saída da prisão. E, claro, observar como Vladimr Putin vê esvair-se a sua influência num país tão estratégico para a política russa.