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A gripe, a covid e uma vaga de infeções de origem viral geraram um inverno que tem posto à prova a capacidade da indústria farmacêutica de garantir o abastecimento de medicamentos. Nos últimos meses, voltaram a aparecer como um fator de distorção preocupante, obrigando o regulador Infarmed a reforçar uma lista em que a exportação está suspensa porque estes são necessários no mercado nacional. Outros, que são importados, também estão em falta por causa da procura no mercado mundial. O facto de as apresentações de um antibiótico de uso tão difundido e banal como a amoxicilina terem de ser racionadas para atender às necessidades é uma anomalia que não deve ser repetida e a que o Infarmed tem dado particular atenção. Não será por acaso que este princípio ativo, assim como o paracetamol ou ibuprofeno, estão incluídos na lista proibida de exportação.
As causas da escassez são múltiplas, pelo que o problema reaparece com uma regularidade quase previsível, sendo difícil estabilizar a produção. Em parte dos casos, esta escassez deve-se à falta de matérias-primas para a fabricação dos princípios ativos. A baixa capacidade de produção da Europa e a dependência de matéria-prima da China e de outros países asiáticos são duas das razões apontadas. No caso de Portugal, há um problema acrescido, os preços são baixos e os fabricantes priorizam a exportação para mercados onde podem obter mais lucros, prejudicando o mercado interno. É que aqui o sistema público de saúde regula o mercado, sendo que Portugal está entre os países com os preços mais baixos nos medicamentos na União Europeia. Todos os anos, o Infarmed publicita os preços tendo como referência outros países. Em 2023, são a Espanha, França, Itália e Eslovénia. O que está a acontecer? A indústria farmacêutica tenta desviar parte da sua produção para outros mercados mais lucrativos do que o nacional. Não é por acaso que, durante 2022, as exportações do setor da saúde cresceram 35% face ao ano anterior, atingindo 2,4 mil milhões de euros. Em Portugal, desconhece-se se o Infarmed já instaurou qualquer tipo de processo a laboratórios por incumprimento injustificado da obrigação legal de garantir o fornecimento, mas em Espanha, só no primeiro semestre do ano passado, atingiram-se 66 incidentes graves, envolvendo medicamentos impossíveis ou difíceis de substituir pelos médicos, principalmente para diabéticos ou hipertensos.
É evidente que o tema fulcral é a segurança do abastecimento. Caso o problema persista, o Governo terá de repensar a possibilidade de uma maior penalização pelo incumprimento do abastecimento.
Editor-executivo