A cidade de Lviv, em cujo estádio a seleção portuguesa de futebol começou a construir o apuramento para o jogo que hoje disputa com a República Checa, é considerada a capital cultural da Ucrânia. O Centro Histórico, declarado Património Cultural da Humanidade pela UNESCO, é o orgulho maior dos cerca de 700 mil habitantes desta terra que faz fronteira com a Polónia.
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Como em muitas das cidades que um dia pertenceram à União Soviética, o contraste entre a periferia e o centro é brutal. É no centro que se multiplicam os monumentos de homenagem aos que morreram às mãos do totalitarismo. A Ucrânia foi particularmente fustigada pela barbárie: 10 milhões de ucranianos terão sido mortos no decurso da II Grande Guerra. Esse facto permanece, com estrondo, sobre todos os outros, quando se lê o prospeto preparado pela Câmara de Lviv para receber os forasteiros durante o Euro.
Fui ao meu caderninho catar estas notas quando, ontem, li o que disse o governador do Banco Central Austríaco. Ewald Nowotny acha que as políticas de austeridade demasiado drásticas podem desembocar numa coisa parecida com o nazismo. "A concentração exclusiva na austeridade (nos anos 1920 e 1930) conduziu a um desemprego em massa, a um colapso dos sistemas democráticos e, no final, à catástrofe do nazismo", declarou Ewald Nowotny.
Ora, política de austeridade drástica é, precisamente, a receita que a troika nos passou: a nós, à Grécia e à Irlanda. E que há-de passar à Espanha e, porventura, à Itália. E sabe-se lá a quem mais ... "Não se trata de castigar as crianças que se comportaram mal", assinalou Nowotny, num claro recado à dureza da régua que a Alemanha está a usar.
Que valor devemos dar a esta profecia catastrófica? O historiador britânico Niall Ferguson e o economista norte-americano Nouriel Roubini dão-lhe algum valor, na medida em que também eles estabeleceram semelhante paralelo num texto publicado no prestigiado "Financial Times". O alvo é o mesmo: a Alemanha, que se "arrisca a repetir precisamente a crise de meados do século XX que a integração europeia se destinava a evitar".
Para quem, como eu, nunca teve o azar de ver as liberdades limitadas e de sentir os horrores de uma qualquer guerra dentro das suas fronteiras, ouvir isto, ler isto, perspetivar o que isto pode significar não é fácil. A verdade é que se avolumam os sinais de que está a esboroar-se o sonho dos que construíram a União Europeia como um espaço de paz. Há uma crescente sensação de inquietude nas nossas vidas.
Volto a pensar em Lviv: a serenidade dos dias daquela cidade construiu-se sobre os escombros do ódio, do horror, do terror. É útil recordar esse facto, para perceber o caminho para onde nos está a conduzir uma geração de políticos que, supostamente, deviam ser estadistas.