Temos, no país, um problema com a forma como se legisla. Muitas leis não parecem ser feitas para as pessoas comuns. Incompreensivas na linguagem, labirínticas nas remissões para outras leis e tão vagas nos termos da sua aplicação que deixam margem para interpretações e decisões discricionárias.
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Conheço leis que nunca foram aplicadas: são aquelas cheias de boas intenções. Conheço outras a que falta regulamentação: são as leis inacabadas. Conheço algumas cujos princípios são contrariados pela regulamentação: são aquelas que parecem não existir. Conheço leis que servem para revogar ou alterar conjuntos de outras leis: são aquelas que transformam sistemas em labirintos. Conheço leis contestadas pelos agentes responsáveis pela sua aplicação: são aquelas que provocam frustrações. Conheço leis cujas alterações lhes retiram coerência: são aquelas que levam "marteladas". Conheço, ainda, leis a que falta a definição clara do conjunto dos procedimentos da sua aplicação: são aquelas que transformam a vida dos cidadãos num inferno de incerteza.
Quem estuda políticas públicas tem particular interesse na análise destes casos, porque eles comprovam e ilustram a tese de que a qualidade da intervenção pública é tributária da decisão política, isto é, da legislação aprovada. Porém, o seu êxito depende sobretudo das condições da sua concretização, isto é, do modo como é aplicada e dos resultados que tem. E entre a decisão e a aplicação há inúmeras forças, agentes, vontades, circunstâncias que são decisivas para que os efeitos da decisão política ou da lei sejam, ou não, os esperados.
Contudo, o conhecimento dos estudos e da análise das políticas públicas não serve de conforto para quem, nas instituições, tem de aplicar legislação, ou para os cidadãos cuja vida é por ela condicionada. Os labirintos, as incoerências, as opacidades, os vazios legais não são superáveis pelo cidadão comum que, apesar disso, não pode, em caso algum, invocar o desconhecimento da lei.
Claro que há a ajuda dos pareceres jurídicos. Há pareceres para todos os gostos, porque a legislação deixa muitas vezes margens que permitem dizer uma coisa e o seu contrário. Parece realmente que as leis são feitas para os juristas e não para as pessoas. Juristas cujos pareceres a maioria das pessoas não tem recursos para pagar. O problema é, portanto, de acessibilidade, de distância, de incompreensão, de separação insanável entre quem legisla e aqueles para quem a legislação é feita.
Professora universitária