No primeiro dia útil de 2017, talvez seja oportuno apontar alguns sinais. Na realidade, como escreveu Vasco Pulido Valente há uns anos, não existem transições. Ou tudo continua ou tudo nos cai de chofre, sem aviso, em cima da cabeça. A característica mais persistente da vida pública portuguesa tem sido a leveza e, num plano mais "material", o conhecido varrer de eventuais incomodidades para debaixo dos tapetes. Os tapetes mais vistosos, pelas piores razões, são a dívida pública e a dívida das famílias. A consolidação das finanças públicas, nos termos requeridos por Bruxelas (o défice), de algum lado há-de sair e algum lado há-de carregar. Não há sorrisos milagrosos. Mas parece que sim, que se pode governar como numa banda desenhada ou num filme para crianças dobrado em português. No ano transacto, inventámos o "selfie-government": o "governo das selfies". Ocorreu um barulho imenso por causa da Caixa, todavia transita para os próximos trezentos e sessenta e três dias a "consolidação" da nova administração. Bem como a famosíssima recapitalização, tão movida a "urgência" e que tantos honestos cabelos arrancou dos cocurutos presidenciais e governativos. O Novo Banco também continua por aí à espera de melhores dias. Os serviços públicos, em especial o SNS, transitam à rasquinha apesar das intenções proclamatórias. Como é de tradição, impostos, taxas e taxinhas aumentaram proporcionalmente à falta de vergonha com que se sugere que não aumentaram. Em tese, o país deveria estar preocupado. Não digo com aquela carinha de alto funcionário da Servilusa do dr. Passos, todavia preocupado com a leveza irresponsável e a superficialidade com que tudo é tratado. Aliás, a "mensagem" natalícia do dr. Costa reforçou imaginariamente o processo de infantilização geral em vigor. De que outro lugar, que não um jardim-escola, nos andam a falar há mais de um ano? Não, definitivamente esta gente não anda a preparar futuro algum, apesar de tanto "progressismo" junto e absurdo no Parlamento e fora dele. Milan Kundera tem razão. "Outrora, também eu considerei o futuro como único juiz competente das nossas obras e dos nossos actos. Foi mais tarde que compreendi que o flirt com o futuro é o pior dos conformismos, a cobarde lisonja do mais forte. Porque o futuro é sempre mais forte do que o presente. É ele, de facto, que nos julgará. E certamente sem qualquer competência".
O autor escreve segundo a antiga ortografia
* JURISTA
