As repartições de Finanças (RF), diz-se, vão encerrar em muitos locais de Portugal. Uma medida menor, se vista pelo seu impacto orçamental, mas maior, muito maior, se vista pelos modos como a República trata a <em>interioridade</em>. Infelizmente, a medida não vem só, já outras houve em má confluência ao longo dos anos. Estamos, a meu ver, perante uma discutível medida de <em>encerramento físico e orçamental</em>. Encerramentos orçamentais...
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Convenhamos que, para romper estruturalmente com o excesso das despesas, precisa o Reformador de encerrar dotações orçamentais. Encerrá-las no todo ou em parte e de maneira irreversível, tenham elas inscrição directa ou indirecta no Orçamento do Estado (OE). E, antes de tudo, precisa o Reformador de assumir e explicitar princípios sobre a filosofia, a espessura e a braçada das funções do Estado.
Encerrar o quê? Os exemplos são do conhecimento de sindicalistas, burocratas e políticos, às vezes de utentes também. Incluem, além do mais, gabinetes, núcleos, observatórios, fundações, comissões, embaixadas, etc. Atingem direcções-gerais, institutos públicos, fundos e serviços autónomos. Estendem-se para fora do sector administrativo, por vias deficitárias e dependentes do OE, sob a forma de empresas públicas.
Contudo, precisa o Reformador, precisará mesmo, de encerrar pequenas representações de soberania disseminadas pelo interior como o são as RF?
Rendas excessivas...
Um caso especial de possíveis encerramentos orçamentais é-nos dado pelas chamadas rendas excessivas. Estas derivam de contratos entre os sectores público e privado, em que o Estado se obriga a cláusulas que, depois, podem ser consideradas descabidas ou desproporcionadas, como tal renegociáveis (à luz do princípio geral da renegociação honrada, que defendo). Por exemplo, uma contratação mal conduzida pode arrastar sobrecargas para o Estado. Ou umas obras adicionais, contratadas, podem ser dispensadas. Ou, nos termos do artigo 437.0º do Código Civil, um reajustamento do contrato pode justificar-se por força de uma alteração anormal de circunstâncias (sim, isso ocorre desde 2011) que afecte gravemente o princípio da boa--fé contratual da parte lesada (sim, julgo que afecta o Estado português) e exorbite dos riscos próprios do contrato (sim, julgo que exorbita em algumas situações).
Eventuais rendas excessivas podem existir em áreas contratuais tão diversas como: as pesadas parcerias público-privadas (PPP); o poderoso sector da energia; as impenetráveis operações financeiras de swaps; os abundantes contratos de fornecedores, incluindo avenças e consultorias; etc.
A eficiência importa, mas não é tudo...
Nas administrações públicas coloca-se frequentemente o problema económico da eficiência, que o mesmo é dizer da relação entre custos e proveitos (inputs e outputs): com um mesmo nível da despesa de produção, é possível obter um melhor ou maior produto. O problema é de organização e gestão do processo de produção. A eficiência, porém, não é tudo. Por exemplo, a racionalização das redes de serviços públicos de educação, saúde, justiça, polícia, correios, impostos (as RF), etc., pode ser importante do ponto de vista da eficiência e da produtividade, e pode contar alguma coisa para as finanças públicas. Mas há outros valores. Há o dever de apoiar a sobrevivência das pequenas vilas e cidades, onde os símbolos da República também contam e não é pouco. Há o dever de combater ondas concentracionistas de um Estado que já é dos mais centralizados da UE e que sempre fingiu auto-reformar-se. O mais recente fingimento é o do "guião" do pequeno reformador, que poderei abordar num próximo JN.
Vou ali às Finanças e já volto...
Quanto à aparente insensibilidade dessa anunciada ideia dos encerramentos físicos de cerca de metade das RF, gostaria de deixar umas perguntas aos senhores do centralismo.
Onde anda a "análise custos-benefícios" do encerramento das RF, incluindo, claro está, os factores sociais como proximidade, literacia electrónica, coesão do território, despovoamento mais jovem, etc.? Em contraponto, onde estão os grandes encerramentos orçamentais reformistas, esses sim de coragem? Onde estão os encerramentos de serviços concentrados da Administração Central? Onde estão as salientes revisões de rendas excessivas? Onde estão as grandes mudanças de regimes das Forças Armadas e de segurança, da administração da justiça e da educação? etc.
O centralista sabe que as terras e as gentes lá de longe estão, afinal, mais à mão. Enquanto muda qualquer coisa ali, está quieto acolá. E sabe que a troika tem as costas largas, pois que o fecho das RF consta do memorando de 2011. Valha-nos Deus. E então, não há nada preterido no memorando?