Incapaz de se colocar a coberto de um único chapéu de entendimento, a Europa está a ser conduzida por uma cegueira política cuja consequência principal aponta à destruição de emprego.
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Elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o mais recente relatório sobre as tendências mundiais do emprego para este ano têm tudo para fazer corar de vergonha os dirigentes do Velho Continente: o exército de cidadãos sem trabalho na Europa e, como tal, privados de um elemento essencial para a dignidade humana, ampliar--se-á este ano em mais 5,1 milhões de pessoas, passando dos 26 milhões para os 31,1 milhões de desempregados.
Quem na União Europeia dispõe do poder de decisão - cada vez mais concentrado no eixo franco-alemão, embora mais alemão do que franco - tenderá a apresentar múltiplos argumentos para o recuo civilizacional a que se assiste e no qual os países do sul estão a ser os mais causticados, com Espanha, Grécia e Portugal na primeira fila de autêntico exército de desempregados. As explicações mais elaboradas não disfarçam, porém, o pecadilho original: inexistência de uma estratégia comum, seja no plano da solidariedade continental seja na capacidade de interpretar um modelo económico de desenvolvimento e resiliente a um livre comércio mundial marcado por competitividade sem regras.
Nos tempos que correm há uma justa tendência nacional de preocupação para o estado de degradação permanente por que passa o mercado de trabalho (16,9%, com tendência para agravamento). Convém, no entanto, vincar posições muito para lá da visão de... ilhota.
A preocupação abrangente é tanto mais avisada quanto, recusando--se embora a tendência atual para alimentar conflitos geracionais, o problema do desemprego jovem é especialmente impactante, ao ponto de a OIT estimar que 12,7 por cento dos jovens europeus não estão empregados nem inscritos em programas de estágios ou de atualização profissional - havendo 35 por cento de jovens que há mais de seis meses procuram emprego sem sucesso.
Os alimentadores da desconstrução - por zonas geográficas - do mercado de trabalho na Europa (o FMI preconiza para Portugal um desemprego estrutural de 14%!) cometem um erro crasso: o de julgarem estar a coberto das lutas sociais decorrentes da busca de sobrevivência e dignidade humana. Se a Europa não arrepiar caminho, se continuar a traçar e aplicar planos estritamente financeiros (e austeros), arrisca-se a uma implosão na qual os habitantes das zonas mais vergastadas pela miséria tenderão a migrar e a instabilizar as que se julgam intocáveis.
A Europa ou ganha juízo ou mais cedo do que tarde tem nos seus cidadãos de origem, embora a sul, uma réplica do que tenta travar a outra escala: a "invasão" a partir do Leste e do Magrebe. E a tomada de consciência deve competir a todos - sinónimo de que as folhas de Excel e o cumprimento de regras por Portugal não bastam. Também exigem trabalho de influência na escala maior da decisão na União Europeia.