A invisibilidade do local na volta ao país dos líderes partidários
Deveria ser a expressão máxima da democracia de proximidade, mas a campanha eleitoral autárquica tem servido para que os líderes dos partidos imponham uma agenda nacional que asfixia as iniciativas locais. Dir-se-á que os jornalistas condicionam os ângulos noticiosos, mas os responsáveis partidários poderiam inverter esses enquadramentos. E não o fazem.
Quando há mais de vinte anos escrevia a minha tese de doutoramento, um dos autores que me ajudaram a perceber a seleção daqueles que participam nos debates televisivos foi Sébastien Rouquette. Segundo o sociólogo francês, os jornalistas preferem sempre aqueles a que chama "engenheiros sociais" aos profissionais, ou seja, aqueles cujo trabalho não é a produção de um bem, mas gira em torno de relações sociais ou humanas. A sua força, nas suas palavras, "é parecer indispensáveis aos olhos dos jornalistas". Num dos livros, lança esta pertinente provocação: Que perguntas poderá um jornalista fazer a um agricultor que aguente o tempo de um debate?
Tenho atualizado muitas propostas de Rouquette sempre que sigo um líder partidário em campanha autárquica num dos nossos municípios. Num país hipercentralizado, o que poderá ser dito sobre aquele território a partir de quem vive a maior parte dos dias em Lisboa? Este problema arrasta-se também para o discurso jornalístico: com alinhamentos concentrados nos grandes centros urbanos, que noticiabilidade local interessará a uma opinião pública completamente arredada dessas idiossincrasias?
Qualquer candidatura ambiciona ter o respetivo líder do partido consigo em tempo de campanha, porque se acredita que isso é um elemento valorizador, conferindo assim uma dimensão nacional àquilo que é local. Não é bem assim. Nas narrativas dominantes que se constroem a partir dali, remete-se para esferas de invisibilidade o trabalho que, durante meses, os candidatos desenvolveram a visitar associações, a conhecer bairros, a caminhar pelas ruas e a falar com quem por lá passa, bem como os problemas e desafios daqueles lugares.
A democracia de proximidade que deveria ser o princípio orientador de qualquer ação política é muitas vezes engolida por agendas nacionais que esmagam imperiosamente propostas locais. Isso não é muito diferente da lógica que preside à gestão dos municípios portugueses: funcionarem como extensões do poder central. Sem autonomia e sem voz própria que comande realmente o desenvolvimento dos territórios. Ora aí está um tema que deveria ser estruturante nesta campanha eleitoral: a capacidade dos municípios se tornarem o centro (da decisão) do desenvolvimento que ambicionam ter.

