A isto chama-se irresponsabilidade
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À hora que concluo este texto, a Assembleia da República acaba de votar contra a moção de confiança do Governo e precipitar a convocação de eleições legislativas antecipadas. Serão as terceiras, desde janeiro de 2022, consumando o ciclo de maior instabilidade política em Portugal, desde os tempos do PREC.
Era neste ponto que todos os protagonistas deviam ter estado concentrados nas últimas semanas: evitar uma nova crise política e prevenir o pântano institucional. Infelizmente, aconteceu precisamente o contrário, com uma dose de precipitação e irracionalidade que parece ser agora a medida padrão da vida pública nacional. O exemplo flagrante deste comportamento foram os trabalhos parlamentares desta tarde, nos quais prevaleceram o calculismo, a teimosia e os objetivos eleitorais de curto prazo, em detrimento do sentido de Estado e do espírito de compromisso. O Governo tentou, a Oposição - que ainda há dias pedia para ser retirada a moção de confiança - não quis e, assim, vamos de novo a eleições.
É lamentável que esta situação ocorra, por várias razões. Desde logo, pela conjuntura internacional que enfrentamos, com uma enorme tensão nas relações políticas entre Europa e EUA, e os riscos evidentes de uma guerra comercial entre os dois blocos, que em nada beneficiaria as nossas empresas exportadoras. Por outro lado, depois de um ano em que o desempenho da nossa economia excedeu expectativas, este retrocesso vai trazer incerteza aos mercados e uma crise de confiança nos consumidores. Teremos, seguramente, menos investimento privado e público, menor produtividade e travagem na criação de emprego.
O mais grave, ainda assim, é a natureza estrutural que esta crise política parece confirmar. O país está a caminhar, a passos largos, para uma total ingovernabilidade, num quadro institucional em que os partidos moderados não dialogam, a hostilidade é permanente e o clima de suspeição se torna intolerável. A isto chama-se irresponsabilidade e está a oferecer terreno fértil para que o populismo semeie e colha os seus frutos. O que choca é que, por mais avisos que nos cheguem de fora, há coisas que simplesmente não somos capazes de mudar.