O que têm em comum Isaltino Morais e os assaltantes de uma residência em Polvoreira, Guimarães, anteontem, e de uma ourivesaria no Carregado, ontem, dando-se o caso de nas duas localidades terem sido os protagonistas sovados por populares?
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Uma análise superficial concluirá pela confusão entre a velocidade pelo toucinho. Ou seja: por não haver nenhum ponto coincidente. E nada é mais errado.
Todos os casos convergem, de facto, para o sistema de Justiça - ou a falta dele.
O exemplo de Isaltino Morais é paradigmático de um esquema de todo preocupante a vários níveis.
Julgado e condenado a dois anos de prisão efectiva por fraude fiscal e branqueamento de capitais em processo iniciado em 2000, arquivado e reaberto em 2003, Isaltino Morais é um típico exemplo de como a Justiça em Portugal está modelada por excesso de garantias para os réus, mas só susceptíveis de poderem ser exercidas e arrastadas no tempo e na aposta na prescrição por quem dispõe de dinheiro para pagar a bons advogados.
Sucessivos direitos protestativos e de recurso, legitimados por um desprestigiante sistema permissivo a automáticos efeitos suspensivos, fazem de Isaltino Morais o exemplo flagrante de como no país é praticamente impossível a alguém dotado de potencial jurídico e financeiro dar com os ossos na cadeia.
Pior do que o lamentável espectáculo prestado quase todos os dias pelos diversos agentes de Justiça, entrincheirados num combate quase sem tréguas entre si e de cuja credibilidade o povo cada vez mais duvida, é a existência de leis canhestras, incapazes de agilizar processos e construídas a fazer recordar os furos de um queijo suíço.
A descredibilização da Justiça faz mossa, obviamente. Gerando desconfianças no mais comum dos mortais.
Pela inoperacionalidade do sistema judicial dá-se a convergência entre o caso de Isaltino Morais (como de outros, já agora...) e o dos assaltantes sovados nas zonas de Guimarães e Carregado.
Desconfiados da eficácia dos tribunais, os cidadãos tendem a um comportamento lamentável: o do exercício da justiça popular. E essa tendência revela um retrocesso civilizacional a todos os títulos de condenar.
A alternativa ao risco de aumentar a tendência de os tribunais se transferirem para a rua é apenas uma: reforma e retoma de credibilidade pela Justiça. A única via, afinal, para reforçar um Estado de Direito Democrático.