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Existem para todos os gostos, mais ou menos sérias, mais ou menos sentidas: são as mensagens. No Natal e no Ano Novo, multiplicam-se, banalizam-se, esvaziam-se esculpidas em lugares-comuns. Algumas não esquecemos, guardamos com carinho. Outras, por motivos diferentes, vamos querer recordar, até cobrar, ao longo de 2020. É o caso da comunicação do presidente da República - lá está, numa mensagem de Ano Novo. Marcelo deixou pistas sobre a Justiça do nosso país, que deve ser "respeitada, atempada e eficaz no combate à ilegalidade e à corrupção". Tudo o que não tem acontecido quando os casos tocam no futebol. O campeonato português, que pára mais vezes do que arranca, andou duas semanas a engordar-se em filhoses para voltar com cardápio de exceção, oferecendo dois dos duelos mais aguardados da época: o V. Guimarães-Benfica e o Sporting-F. C. Porto. E, independentemente das tradicionais críticas dos derrotados - se os houver - à arbitragem, a mancha de suspeição que alimenta discussões absurdas nas redes sociais e nas televisões não está, creio, no que se passa em campo, mas naquilo que tardamos em ver acontecer nos tribunais, onde denúncias e processos resultantes de documentação tornada pública na sequência da violação dos servidores de correio eletrónico dos clubes congelam em bolor. Entrámos em 2020 e a única pessoa detida é mesmo o hacker Rui Pinto. No fundo, a Justiça, em Portugal, é o reflexo do pensamento dominante. Quem nunca assistiu ao mais sensato cidadão a desculpabilizar um presidente, não obstante este sujar o emblema e embrulhar tudo na camisola sagrada, seja ela vermelha, azul ou verde? Se o registo estiver a ser escrito com títulos, a tendência é desvalorizar. Parecemos capazes de abdicar de tudo, até da dignidade intelectual, desde que nos ofereçam uma festa. Esperemos, pois, que a Justiça não vá em ofertas e, como exigia Marcelo, seja "atempada e eficaz".
*Editor-executivo