A propósito da reforma da Justiça em Portugal, muito se tem escrito e falado nos vários suportes da Comunicação Social nacional. Invariavelmente, ou não valesse uma imagem mil palavras, os textos ou as reportagens são acompanhadas de imagens sobre a troca dos lugares e dos processos. A avaliar pelo que vemos, a Justiça tem mesmo muito mau aspeto.
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Repete-se a cada momento exatamente o mesmo padrão: papel, muito. Caixotes a descambarem e presos por fios mal-amanhados ou fita adesiva de todas as espécies e cores. Processos, que só um milagre faz chegar ao destino (ou mesmo partir da origem) inteiros. Vidas e casos difíceis ou fáceis tratados e retratados de forma indigente e pouco respeitosa.
As salas onde se encontram (são maioritariamente casos de localidades ditas periféricas) causam igual perplexidade. Salas revestidas de azulejos de cozinha, ao que parece sem a menor adequação à função que exercem (ou exerciam). Ao arrepio flagrante dos majestosos Palácios de Justiça que se foram construindo em grandes e médios centros populacionais, quase todos imponentes. Mais imponentes do que funcionais, ao que ouço.
Portanto, pondo de lado a questão essencial da reforma que trata de redefinir uma rede, pergunto-me onde está afinal a reforma administrativa do Estado?
Por que diabo ainda há tanto papel, por que não se encontra uma forma mais moderna de organizar e gerir um arquivo, por que não se estabilizam linhas mestras para a imagem e apetrechamentos dos tribunais (e seus sucedâneos) que sejam sobretudo tributários do bom senso? Paredes brancas, adequado isolamento térmico e acústico, correta rede de energia e telecomunicações.
Falei em reforma administrativa pelo hábito induzido de a culpar de tudo o que há ou não há. Mas na verdade, não é necessária nenhuma reforma administrativa para digitalizar tudo o que é legalmente possível e, sobretudo, guardar em vácuo com ganhos de espaço e de operacionalidade tudo o que ainda é obrigatório manter em papel. Melhor, não é preciso nenhuma reforma administrativa para terciarizar este serviço (há muitas empresas a gerir o processo e a guarda de arquivos) reduzindo ao essencial os locais para a prática da justiça. Mas, que me conste, a relocalização foi feita sem ter nada disto em consideração.
Aqui chegada, tenho a nítida sensação de ter cometido uma injustiça com muitos daqueles que são localmente responsáveis por estas estruturas. Seguramente que pensaram em todas estas verdades de la Palisse, mas, hélas, nada puderam fazer em nome de um qualquer sistema central ou grupo de missão especial ou comissão especializada nacional para a reforma administrativa da Justiça que de tão exigente, sapiente e omnipresente, paralisou o progresso. Vivamos pois todos com os nossos problemas e dificuldades mal encaixotados e muito mal amarrados. Há de haver muito julgamento adiado por falta de páginas!
Quanto à relocalização de serviços e equipamentos não é ainda possível ter uma opinião definitiva. São muito contraditórias as informações de que dispomos. Por um lado, a senhora ministra afiança que foram tomadas em consideração todos os aspetos que garantem um acesso igualitário à Justiça por parte dos cidadãos, independentemente do local onde vivam. Trajetos, habitantes, transportes e tempo foram, alegadamente, acautelados.
A Comunicação Social não tem feito outra coisa senão mostrar casos onde a perda do tribunal implica viagens longas que, nalguns casos, obrigam a deslocações de véspera com os necessários custos de estadia e alimentação. Veremos, quando a poeira assentar. Assusta-me, como a muitos, a ideia de um prejuízo mais acentuado nas zonas mais desertificadas e a falta de consenso político que sustentou esta alteração de fundo. Só faltava que o próximo Governo começasse tudo outra vez!
Até lá, o de sempre. Confiar que os profissionais do setor se aguentem, que o Governo dure até tudo se consumar e cair no doce esquecimento de que foram agora arrancadas tantas folhas, caixas e cordéis.