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Não sei se Carolina Deslandes se inspirou em "Lágrima de preta", de António Gedeão, para escrever o seu poema "António", que leu há dias no Instagram. A cantora falou desse menino que nasceu e estudou em Lisboa, com a mesma caneta que um outro menino, Francisco, notando que "o amanhã é só uma esmola para quem nasce mais escuro". A ritmo rápido, com críticas ao colonialismo, à escravatura, redigiu um retrato do racismo, que fecha portas a quem se mantém "invisível". Com cores diferentes, destinos diferentes, reflete a artista. Gedeão refletiu sobre sermos idênticos na essência num laboratório imaginário onde analisou uma lágrima e concluiu "Nem sinais de negro/nem vestígios de ódio./Água (quase tudo)/e cloreto de sódio". No fim do poema de Deslandes, o António, que ouviu "volta para a tua terra" antes de ser assassinado, tinha o sangue da mesma cor que o homicida. Os dois poemas estão separados por mais de 60 anos de mudanças no país, mas demonstram quanto falta para a integração dos estrangeiros em Portugal. Com as alterações à lei dos estrangeiros e com que as que vão ser feitas na lei da nacionalidade, a integração terá de ser uma prioridade, tão grande como a que queremos quando os empresários portugueses vão vender para Angola, tão grande quanto a que queremos quando os enfermeiros portugueses dão cartas em Inglaterra, tão grande como nesses casos de portugueses extraordinários pelo Mundo, acolhidos, com sucesso, nos países de destino. De acordo com os dados da AIMA, depois do Brasil, o país com mais imigrantes a viver em Portugal é a Índia, 98 mil pessoas. O exercício de soma é necessário porque são os números que têm pressionado as políticas. A demografia mudou, o que não pode acontecer é que os Antónios de cada cor se mantenham invisíveis.