<p>Temos uma escola doente, que ensina pouco, educa menos e exige quase nada. O objectivo fundamental nela não parece ser tanto o interesse dos alunos, que os professores perdem de vista pelo meio das suas aflições com carreiras e avaliações, pouco motivados que se encontram para aprofundar a sua missão, de resto, mal entendida, mas a transição pela escolaridade da forma mais inócua possível, garantida pelo Estado. É neste contexto que o bullying, que sempre existiu - e todos nos recordamos de ter sido vítimas, autores ou testemunhas destes episódios - se vulgarizou e assumiu contornos inquietantes.</p>
Corpo do artigo
O bullying não corresponde a uma incriminação penal em particular, podendo preencher os elementos de uma série de tipos legais de crime sem que qualquer deles abranja na íntegra as características deste tipo de comportamento. Pode configurar um crime de ofensas à integridade física, já que este crime abrange maus-tratos psicológicos graves com impacto na integridade física da pessoa, e porque muitas vezes há agressões físicas, mas também pode constituir um crime de ameaças, de coacção, ou de injúrias, e mesmo todos eles. A questão é que, sendo na maioria menores de 16 anos a praticar estes actos só são abrangidos por medidas disciplinares da escola ou pela Lei Tutelar Educativa que prevê uma série de sanções como a reparação e a prestação de trabalho a favor da comunidade, nem sempre aplicadas, já para não falar da situação em que, tratando-se de menores de 12 anos, são considerados menores "em risco" sujeitos à Lei de Protecção de Crianças e Jovens em risco. Dada a complexidade da questão que reflecte uma realidade social muito especifica que não é facilmente "apanhada" pela regulamentação legal vigente, quase se justificaria pensar num tratamento legal autónomo e mais abrangente para estes casos que permitisse conciliar o rigor que merecem, com a adequação às situações e às necessidades dos seus agentes.
O "caso Leandro" deveria ser motivo para uma discussão sobre tudo isto. Não adianta invocar particularidades de um caso concreto para fechar os olhos ao que é fundamental, intolerável, e que deve ser combatido. O bullying é muito mais do que um mero sinal dos tempos, um fenómeno inevitável ou sem solução, até porque corresponde em traços gerais a uma realidade identificável e com características próprias: significa sempre a agressão, a desmoralização e a perseguição a que um ser mais forte sujeita um mais fraco, que se esconde, que tem medo, e que passa por formas de sofrimento a que nenhum ser humano deve ser sujeito, muito menos em fases de formação e de crescimento. Significa invariavelmente barbárie e cobardia por parte de quem o pratica, a que não se pode juntar a cobardia da escola e de todos nós. A sociedade do futuro depende, em grande parte, dos valores que a escola transmite aos alunos. Se a escola é laxista e não cultiva o mérito, os seus formandos serão menos responsáveis e capazes. Se fecha os olhos à violência, a sociedade será mais violenta. Se tolera o intolerável, e não garante a paz e a tranquilidade, os alunos tenderão a não acreditar na autoridade e passarão a considerar legítimo fazer justiça pelas próprias mãos. Não se pode exigir que a escola seja perfeita e sempre justa, até porque deve preparar os jovens para sobreviverem num mundo imperfeito e tantas vezes injusto, mas também não pode ser uma fábrica de impunidades, onde o bem não se distingue do mal, um território sem lei onde a autoridade e a responsabilidade sucumbem à lei da selva.