A greve é um incontestável direito democrático. Não se espere encontrar, depois desta afirmação, nenhuma adversativa a tentar atenuar o seu caráter imperativo.
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O 25 de Abril fez-se para permitir aos trabalhadores mostrarem o seu desagrado com as condições laborais que lhe são oferecidas, no setor público ou privado. Desde que observado tudo quanto a lei impõe, seja em matéria de avisos de greve, seja, quando aplicável, no que respeita a serviços mínimos, é dever de cada um respeitar o direito dos outros à greve.
Algumas greves prejudicam gravemente interesses individuais e coletivos? É da lei da vida democrática que assim possa ser, mesmo com a "injustiça" de poder haver setores laborais que, pela sua maior capacidade reivindicativa, por se situarem em áreas mais sensíveis, acabam por conseguir mais vantagens. Para os casos limite, em que o interesse público possa estar em risco, os poderes democráticos podem recorrer à requisição civil. A lei tudo prevê e a justiça existe para a proteger e aplicar.
Nesta fase do texto, o leitor perguntar-se-á: por que diabo é que aqui se sublinha o óbvio? Porque nem sempre o que é óbvio é facilmente aceite. E isso vê-se na irritada reação pública face a algumas greves. Devem os enfermeiros "pôr a mão na consciência" e reconhecer que a sua greve coloca em causa a vida dos doentes? Esse é um problema dessa classe profissional e do modo como valorizam, ou não, o modo como os outros os olham. Mas isso não deve colocar nunca em causa o seu direito à greve. Estariam os trabalhadores do porto de Setúbal prestes a arruinar um investimento com a natureza estratégica da Autoeuropa? Uma greve na área dos transportes ou do serviço de fronteiras poderá colocar em causa o turismo de que o país muito tem beneficiado? Sem essa "chantagem", os direitos dos trabalhadores nunca teriam progredido na História.
Todas estas greves não terão uma coincidência temporal estranha, não suscitam legítimas dúvidas sobre se, por detrás da sua natureza laboral, não haverá propósitos políticos de outra ordem? O forte desgaste que se tenta provocar ao Governo, à entrada do ano das eleições legislativas, não terá por objetivo procurar evitar que o PS possa ser o único usufrutuário, no momento do voto, das vantagens concedidas ao longo do seu mandato, garantindo ao PCP e ao BE, no próximo quadriénio, que a ausência de uma maioria absoluta socialista lhes preserva o seu atual poder de influência? A resposta parece óbvia, mas também isso é da lei da vida democrática.
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