A capa desta edição do JN resume de algum modo a leitura nacional que, a partir desta cidade, podemos [e devemos] fazer dos resultados das eleições autárquicas: Porto Independente. Que é a resposta que o povo deu nas urnas à mais identitária das propostas feitas por Rui Moreira, que nasceu como "slogan" de campanha e acabou expressa no próprio boletim de voto: "O Nosso Partido é o Porto".
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A grande dimensão da vitória eleitoral e o interclassismo da sua base social de apoio mostram que o povo do Porto decidiu colocar um ponto final [veremos se parágrafo, ou não] no compromisso histórico, por assim dizer, de alimentar a alternância democrática entre maiorias ora socialistas ora sociais-democratas cujos desempenhos, em algum momento, se tornaram reféns dos aparelhos centrais dos dois maiores partidos portugueses. Embora por motivos diversos, essa asfixia foi exercida pelo Poder Central sobre os dois últimos presidentes da Câmara Municipal do Porto, apesar das personalidades fortes de Fernando Gomes e Rui Rio.
A expressão da vitória de Rui Moreira é também inequívoca sobre o estado da nação no que respeita à relação entre eleitores e eleitos. Ou seja: de grande confiança em propostas de liderança personalizadas e de grande desconfiança em propostas que resultam da intermediação - e sobretudo dos jogos de poder - dos partidos. Alguns deles jogados mais em função de jogos de poder internos que propriamente político-eleitorais.
Mas a chegada de Rui Moreira à governação da cidade contém ainda novas expressões dos sentimentos dos portuenses sobre o modo como querem ser governados. Desde logo, sobre duas das ideias mais populares instaladas: a da inconveniência de ter boas relações com o F. C. Porto e a da consideração das necessidades da Cultura circunscritas à sua específica existência como segmento de mercado. Ambas soube rejeitar, apesar de fazerem parte do legado de Rui Rio, do qual quis herdar, isso sim, as contas sustentáveis. Este alinhamento e desalinhamento com a questão do apoio e da herança do seu antecessor fortaleceu a convicção dos eleitores em que Rui Moreira poderia ser verdadeiramente independente. Já não só originalmente dos partidos, mas também das relações pessoais que foi cultivando nas suas várias condições, desde presidente da Associação Comercial do Porto ou membro do Conselho Consultivo do F. C. Porto, passando pela de comentador televisivo ou de colunista deste Jornal e membro do seu Conselho Editorial.
Esta leitura que resulta da chegada de um independente à presidência da Câmara do Porto é tanto mais incontornável quanto de outras leituras possíveis não parecem resultar elementos decisivos para constituírem fator de mudança ao nível do Poder Central. É verdade que estas autárquicas atingiram duramente o PSD e não o CDS, que, sem grandes pretensões, apoiou e ganhou com Rui Moreira. Como também é claro que o PS de António José Seguro ganhou estas eleições em números absolutos de câmaras e votos e a CDU foi em termos relativos a força que mais cresceu, enquanto o Bloco de Esquerda, tal como o CDS, tinha as suas ambições demasiado limitadas ao nível de mandatos para poder ser protagonista no bom ou mau sentido.
Mas desta leitura dos números não resultará, nos tempos mais próximos, outro efeito que o de aprofundar a erosão do Governo, porque, como sabemos, a Esquerda portuguesa não está propriamente a pensar em unir-se.