Há uma nova onda de infantilidade europeia - e de irresponsabilidade - que consiste em colocar em Berlim todos os pecados do Mundo. Os mais imaginativos (ou ousados) chegam a explicar que a "velha Alemanha" (não a de Goethe, mas a de Hitler) está de volta.
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Angela Merkl sugere a Sócrates um encontro bilateral, para concertar posições. Há a crise, há as próximas cimeiras, há o semestre de análise dos orçamentos nacionais, há as diversas vozes sobre como sair do túnel para a luz. O conclave parecia assim mais do que justificado. Mas houve imediatamente um coro, com satisfação ou horror, a explicar que era o império teutónico a torturar os pequenos, a puxar orelhas a Teixeira dos Santos, a dar reguadas no Governo de Lisboa.
Ora o que saiu do debate foi apenas uma série de declarações banais, ou de afirmações de bom senso: Portugal enunciou muitas reformas necessárias, mas interessa saber como as aplica. No fundo, a discussão doméstica é a mesma, recaindo agora sobre os demónios da execução orçamental.
Claro que a possibilidade de recurso ao mecanismo de resgate financeiro, participado pela Europa e por muitos países (incluindo o Japão), debaixo do guarda-chuva da União e do FMI, continua a ser uma hipótese. Não porque tal solução representasse mais reformas (embora se pudessem imaginar, com coragem, transformações mais dolorosas para o Estado, e menos graves para o cidadão), mas talvez porque ela trouxesse uma chancela de credibilidade, qualidade e caução externa, que nem sempre uma voz portuguesa, orgulhosamente sozinha, possa oferecer aos "mercados".
Mas o ponto principal é o de que a Alemanha está na Europa não para destruir a porcelana, mas para a preservar. No fundo, Berlim necessita de uma âncora multilateral, porque não quer, não sabe e não pode viver num mundo de todos contra todos, de "estado da natureza", em que os grandes conflitos voltassem a ser resolvidos pelos canhões, e não pela negociação, persuasão, indução e recursos materiais.
Sem angelismos, sem ignorar as pressões do eleitorado germânico, que se impacienta com a alegada indolência, improdutividade e parasitismo dos países meridionais (o "Sul" tem costas muito largas), sem ingenuidade política, importa reconhecer as virtudes do rigor e da disciplina alemãs, que deviam ser tomados como exemplos, e não como inimigos.