Para as sociedades abertas, nada é indiscutível, no reino das ideias. É assim com a diplomacia portuguesa. O apreciável consenso da política externa nacional, desde o início da terceira república (1976), e sobretudo após o início do processo de integração europeia (1985), não esconde, como é óbvio, divergências, pessoais e partidárias.
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Mas as metas parecem bem delineadas, com mais ou menos vírgulas e acentos. A "europeidade" de Lisboa não invalida os seus interesses fundamentais na CPLP, na cooperação transatlântica e na defesa das comunidades portuguesas expatriadas.
Até ao fim da "Guerra Fria", o estabelecimento de diplomacia real, no Leste da Europa, era mais controverso ou menos prioritário.
A "Europa de Leste", claro, era uma designação mais ideológica do que geográfica. Praga, por exemplo, era mais "oeste" do que "oriente".
O que existia, no fundo, era uma Europa Central e de Leste, tiranizada.
E na verdade, não havia, "a Leste", nem tradição lusófona, nem conhecimento cultural significativo, nem trocas comerciais e económicas sustentadas. Claro que se sabe do lustro da visita, ao Terreiro do Paço, da Armada Imperial russa, no fim da monarquia portuguesa.
Claro que a família Portugalov se tornou influente, sob os czares, e depois.
Claro que a devoção a Fátima, por parte do saudoso João Paulo II, uniu indelevelmente Cracóvia e Portugal.
Claro que, no plano da luta ideológica, os comunistas portugueses cultivaram o Pacto de Varsóvia, e os anti-sovietistas fizeram lugares de culto nos sítios do martírio e da repressão: Katyn, Pankow, Gdansk, Timisoara, Budapeste, ou o improvisado túmulo de Jan Palach, na Praça Wenceslau.
E claro que a libertação das tiranias "comunistas" fez o "Leste" aderir (como Portugal o fez um dia) aos ideais de paz e desenvolvimento, aos objectivos de comunidade internacional, à racionalidade económica, e aos objectivos de justiça social da União Europeia.
Isto criou óbvios laços, e inaugurou um período de rápida expansão em todas as áreas, do turismo à defesa, da segurança à arte, do comércio à indústria.
Empresas portuguesas de construção, transporte, crédito e seguros, gestão rodoviária, restauração e alimentação, para além de leitores universitários, estudantes e meros viajantes curiosos são hoje presenças habituais da Lusitânia por todo o "Leste".
É difícil visitar Dubrovnik sem descobrir centenas de portuguesas, em busca do mesmo encanto. E quem diria, há menos de 20 anos, que haveria contactos frequentes de adidos militares, entre todos os países do ex-Bloco "socialista" e o Portugal pós-revolucionário?
No diálogo com o Leste, continuamos a precisar de princípios, e de bússola.
Não podemos, por exemplo, esquecer e descartar o sofrimento de gerações, que lutaram pela libertação face à URSS, incluindo milhões de patriotas russos.
Não podemos ignorar os legítimos anseios de segurança de países, da Ucrânia à Polónia, da República Checa à Hungria, que estiveram ocupados, proibidos e "pacificados".
Não podemos ignorar os interesses nacionais de grandes estados, como a Rússia e a Polónia, e dos pequenos.
Não podemos esquecer a necessidade de proteger minorias dentro de cada estado, sempre que as mesmas não estejam plenamente integradas.
Não podemos, por fim, ter medo da legalidade.
O processo de investigação da conformidade da independência do Kosovo, face ao Direito Internacional, aprovado pela ONU e a decidir pelo TIJ, será uma boa oportunidade para resolver esta histórica pedra no sapato.