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Criada depois do escândalo "News of the World", em que o tablóide britânico recorreu a escutas telefónicas ilegais em circunstâncias lamentáveis, a comissão de inquérito presidida pelo juiz Levenson apresentou nesta semana um relatório circunstanciado, em que defende que será necessário que a comunicação social passe a ser supervisionada por uma entidade com poderes reforçados. As conclusões, contestadas pelos grupos de comunicação social, dividem o Governo de Sua Majestade, com o primeiro-ministro Cameron a invocar que há um risco de "criar um veículo para que os políticos, hoje ou no futuro, imponham regras e obrigações à imprensa", enquanto o seu numero dois, o liberal Nick Clegg, defende a necessidade de uma lei que defina os direitos e deveres dos jornalistas, argumentando que "imprensa livre não significa uma imprensa livre para atormentar pessoas inocentes ou abusar de famílias enlutadas."
Obviamente, o relatório foi influenciado pelo caso das escutas, que não está ainda concluído. E, como se sabe, as iniciativas legislativas, nomeadamente em matéria de direitos, liberdades e garantias, não deveriam decorrer em circunstâncias conjunturais e de alarme social, que têm uma influência excessiva nos legisladores. Ainda assim, parece razoável que os sistemas democráticos, que não utilizam a repressão sobre os jornalistas e que não usam o lápis azul da censura, procurem garantir que os direitos dos cidadãos não são incompatíveis com os direitos e deveres dos jornalistas.
Em Portugal, onde existe uma entidade reguladora e um quadro legal, a situação é diferente. E, em abono da verdade, os jornalistas seguem, por norma, critérios deontológicos rigorosos, ao mesmo tempo que existe, por tradição, uma razoável proteção da esfera privada. Temos, contudo, outros dilemas, porventura de maior gravidade. Por um lado, temos o problema das violações do segredo de justiça, que se agrava por esta ser, por norma, muito morosa. Decorre desta combinação de factos que, por vezes, a divulgação desses segredos resulta num julgamento sumário na praça pública, sem que o acusado tenha possibilidade de se defender. Depois, se acaba por se ver ilibado da acusação, o dano reputacional que lhe foi causado já não pode ser reparado. Por outro lado, há sintomas evidentes de que existe um fenómeno de profissionalização das fontes de informação, que conseguem influenciar as agendas dos "media que resistem a qualquer controlo, que divulgam notícias fabricadas, com objetivos inconfessáveis".
Naturalmente, as violações do segredo de justiça não se resolvem amordaçando a imprensa. O problema reside no nosso sistema de justiça, e não parece justo transferir o ónus para os jornalistas. No caso das fontes que fabricam notícias falsas, contudo, a situação parece-me bem diferente. Sendo óbvio que compete aos jornalistas investigar e apurar os factos que confirmem ou desmintam aquilo que lhes chega dessa forma, bom seria que, sempre que se tratasse de uma falsidade, cuidassem, eles próprios, de denunciar a origem da mentira e de investigar qual a motivaçao dos seus autores. Há uma diferença clara entre uma fonte de informação legítima, e cujo anonimato deve ser preservado, e uma fábrica de mentiras, que deve ser imediatamente denunciada e exposta publicamente para salvaguarda dos nossos direitos coletivos, e a bem da decência. Pela mesma razão, defendo que os crimes de difamação, principalmente quando envolvem a comunicação social, devem ter uma moldura penal agravada, para defesa de todos aqueles que estão debaixo da mira e a bem dos jornalistas e da liberdade de imprensa, que é um condimento essencial para que a nossa vivência democrática.
Se assim não for, se a mentira e a injúria forem protegidas e escondidas a pretexto de terem origem em "fontes", continuaremos a ser uma sociedade inquisitorial e um paraíso para os linchadores e para os interesses mais obscuros.