A liberdade individual poderá ser ilimitada?
Será uma realidade (ainda) longínqua e afastada do nosso posicionamento sobre modos de prevenção das doenças, mas o movimento antivacinas que começa a crescer nos Estados Unidos deve preocupar-nos. Não está em causa apenas a vacina anticovid, mas todas as vacinas, sobretudo aquelas que são administradas nos primeiros anos de vida. E isso, como escreve esta semana a revista Newsweek, "será horrível" a curto prazo.
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O argumento mudou e é aparentemente irrefutável. Já não são esgrimidos critérios médicos, antes se ostentam razões relacionadas com a liberdade individual para a recusa em ser vacinado ou vacinar os menores a nosso cuidado. Os números refletem um movimento que, nos Estados Unidos, começa a ganhar expressividade, atingindo já cerca de 20 por cento da população. Na região de Miami-Dade, na Florida, registou-se desde o ano passado uma quebra de 60 por cento no número de vacinas infantis relativamente ao ano anterior; em Michigan, em maio de 2020, metade dos bebés de cinco meses ou menos estavam com as vacinas atrasadas. No início, os especialistas atribuíram essa quebra não a hesitações vacinais, mas ao receio dos pais em levar os seus filhos a um centro de saúde por medo de contraírem covid. Neste momento, começam a perceber que as explicações para estes números são mais estruturais do que conjunturais.
No verão, o Departamento de Saúde do Tennessee, supostamente pressionado pelos legisladores do Partido Republicano, ordenou aos profissionais da saúde que parassem de fazer uma "divulgação proativa em relação às vacinas de rotina". Defende-se que o poder político não pode orientar comportamentos individuais. No entanto, é necessário interrogar se as liberdades individuais valem tudo, quando também está em causa a saúde pública... E há quem já comece a tomar medidas de defesa. Por exemplo, alguns pediatras estão a recusar atender crianças por vacinar, alguns pais não querem que os seus filhos frequentem escolas com alunos sem as vacinas indicadas para aquela idade e algumas seguradoras estão a planear aumentar os prémios em zonas subvacinadas.
Hoje, mais do que nunca, o processo de vacinação politizou-se. E isso poderá provocar irremediavelmente a desintegração de qualquer sentido de obrigação e abrirá brechas profundas na coesão social. Pior ainda: porá em causa a saúde pública que, como já percebemos, pode transformar-se num sério problema à escala mundial.
Professora associada com agregação da UMinho