Uma cerimónia, a entrega de um prémio literário, num Portugal periférico. E de repente, a plateia sobressalta-se, incrédula.
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Com a maior das canduras, o presidente do júri, num breve discurso a referir-se aos laureados - Jorge Silva Melo e José Viale Moutinho, o primeiro lisboeta, o segundo nascido na Madeira, trasmontano e portuense - manifesta a surpresa e satisfação de afinal no Norte também se produzir obra literária de grande qualidade. Espanto.
É assim que Lisboa olha o país, como se vivêssemos ainda no tempo de Eça e de Camilo, ou antes, como se o país fosse Lisboa e o resto um enorme deserto, povoado por gente incapaz de atingir o sublime da arte. Penso que Nuno Júdice, presidente do júri, não teve a intenção de ofender ninguém, terá apenas verbalizado a sua representação do país.
E nenhum dos presentes, na Casa de Mateus, em Vila Real, a assistir à entrega do prémio D. Dinis, edições de 2020 e 2021, em conjunto, devido à pandemia, se sentiu ofendido, apenas espantado. Um espanto que Marcelo Rebelo de Sousa, residente em Lisboa, mas com origens em Celorico de Basto, terra da avó Joaquina, não deixou de dar nota.
O presidente da República, dito o discurso escrito preparado para a cerimónia, acabou a dar uma curta, mas clara lição de descentralização. De forma elegante, sem espaço para equívocos, colocou o provincianismo da capital no seu devido lugar, dando conta da perplexidade a que foi acometido ao ouvir as palavras de Nuno Júdice.
E para os que a partir da capital continuam a olhar o país como algo pitoresco, num deserto de ideias e conhecimento, Marcelo tratou de, pelo menos a nível do discurso, dar equilíbrio entre os diferentes territórios.
Portugal, diz o presidente, tem várias centralidades a dialogar umas com as outras. E dando voz aos periféricos dos periféricos, lembrou: assim como os do Porto sentem o centralismo de Lisboa, outros portugueses sofrem com o centralismo do Porto.
*Editora-executiva-adjunta