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Há dias, o líder do Podemos, nas mesmas mangas de camisa com que se apresentou semanas antes a uma convocatória feita pelo rei, foi ao centro do hemiciclo parlamentar espanhol e pespegou um beijo na boca de outro político radical, ao que parece congratulando-o por uma intervenção. A foto correu Mundo, talvez com maior difusão do que aquela que, tempos antes, mostrava uma criança, filha de uma deputada do mesmo partido, a mamar, também durante uma sessão das Cortes.
Não há a mais leve dúvida de que gestos e trajes como estes têm como finalidade tentar dessacralizar as instituições, transmitir a ideia de que elas devem evoluir e tornar-se um espelho da própria sociedade, perderem a rigidez protocolar e, quem sabe se por essa via, aproximarem-se dos cidadãos.
Não tenho porém a certeza de que a banalização das instituições favoreça a democracia. Pode, no imediato, conferir alguma popularidade àqueles que "abanam" os modelos políticos, como que a relembrar que há um outro Mundo, que não se revê no formalismo, e que ganhou o direito de cidade de ali estar. Mas tenho a maior das dúvidas de que o ruir de algumas liturgias acabe por funcionar em reforço da eficácia e da legitimidade dos modelos de representação.
Confesso que me choca o modo como alguns deputados do nosso Parlamento se vestem, num "casual" que roça a bandalheira, não muito distante do sinistro fato de treino. Não é tanto a falta da gravata que se contesta: há modos de vestir sem gravata cuja manifesta elegância substitui a de um fato tradicional.
Carlos Brito, o antigo deputado comunista, conta num seu livro que, num dos primeiros anos da democracia, um seu colega, indicado para acompanhar uma visita oficial ao estrangeiro, anunciou que não ia utilizar gravata, não obstante as regras protocolares recomendarem um traje formal em certas ocasiões da deslocação.
A persistente resistência do deputado fez subir o assunto a Álvaro Cunhal. O secretário-geral lembrou então que é muitas vezes adequado, em alternativa às roupas protocolares europeias, o uso em cerimónia oficiais de trajes tradicionais, acrescentando: "Ora nós temos trajes tradicionais muito bonitos, por exemplo, os minhotos". E logo adiantou: "O nosso camarada podia ir vestido de minhoto e evitava-se a gravata. Até podemos telefonar já aos camaradas de Viana e encomendar já um fato". O deputado correu a comprar uma gravata.
Há dias, ao ver um secretário de Estado do Governo socialista, nos salões estadonovistas das Finanças, apresentar o Orçamento em atitude desengravatada, perguntei-me se acaso um traje típico não seria mais adequado.