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O tema das migrações é de enorme complexidade social, económica, cultural e política, e para o tratar com responsabilidade e dignidade é preciso convocar os melhores valores humanistas, que são transversais a todas as geografias. As situações que se vivem num país têm imbricações com realidades que se manifestam noutros países e regiões do Mundo. Não se param processos migratórios com as mãos ou por decreto. Não se contêm com medidas administrativas, mesmo que estas sejam úteis em determinados contextos.
As interpretações simplificadas e as “soluções” apresentadas por forças conservadoras e retrógradas chocam com aqueles princípios e têm, fundamentalmente, quatro objetivos: i) responsabilizar cidadãos muito fragilizados - os imigrantes – por problemas internos, no fundamental pré-existentes à sua chegada; ii) gerar cortinas de fumo que escondam a ausência de resposta aos problemas fundamentais do país e das pessoas; iii) atacar os direitos laborais, sociais e políticos de todos os cidadãos; iv) explorar egoísmos sociais e desfocar a origem das desigualdades e injustiças que estruturam os seus programas políticos. A conjugação destes quatro objetivos é fatal para a democracia.
Para instalar a precarização do trabalho que hoje afeta, direta ou indiretamente, quase todos os trabalhadores, foram implementadas políticas laborais que, por exemplo, culpavam os direitos dos trabalhadores mais velhos pelo desemprego dos jovens. Ao longo de décadas, foi dito que os jovens não encontravam emprego porque lhes faltava formação. Adquiridas as formações académicas, teoriza-se, criminosamente, sobre a inadequação das formações obtidas e confunde-se, propositadamente, formação escolar e académica com formação profissional.
Entretanto, às centenas de milhares de pequenos empresários com carências de formação, recomenda-se que tomem os salários baixos como instrumento de ajustamento da sua economia, e pouco mais.
O ataque às solidariedades geracional e intergeracional vem, pois, de muito antes do boom migratório da última década. Não foram os imigrantes que o trouxeram. Hoje, eles são o exército de mão de obra mais “disponível” para manter e aprofundar a exploração, numa economia de baixo perfil de especialização. E, como veremos proximamente, o ataque aos direitos de todos os trabalhadores vai intensificar-se.
Não são os imigrantes que nos roubam emprego ou direitos sociais. Eles têm dado uma contribuição líquida notável para a nossa economia, para a liquidez da Segurança Social, para o Orçamento do Estado e para o enriquecimento cultural da nossa sociedade. Entretanto, a favor de todos os que vivem e trabalham no nosso país também a sua presença e ação podem e devem contribuir para a modernização dos sistemas de saúde, de ensino, da justiça, que têm de se adaptar à sociedade que somos.
Os trabalhadores todos, nacionais e imigrantes, estão desafiados a construir respostas comuns.