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Por mais simples ou mesmo demagógico que possa parecer, é esta resolução de ir à luta, esta vontade de superar, de melhorar e de construir, o que me assola depois dos últimos acontecimentos em que instituições e personalidades de referência se tornaram protagonistas de graves suspeitas no nosso país.
Não concebo e acho perigoso que um sentido geral de desresponsabilização possa tomar conta de nós a ponto de usarmos como álibi as alegadas infrações praticadas pela banca, pela administração do Estado ou por personalidades com tão grande rasto de influência como é o caso de Ricardo Salgado (a quem, seguramente por minha falta de atenção, não me lembro de ter visto a ser conduzido sob custódia, ou a ser perseguido ou acossado durante qualquer interrogatório).
À luta, portanto! Dêmos o melhor de nós mesmos. Aproveitemos a oportunidade para mostrar que, apesar do Estado, dos banqueiros ou do eterno mau da fita, somos um povo com ideias, brioso, trabalhador, criativo, afetivo, alegre, corajoso, paciente e tudo menos resignado.
Porque de um país nunca ninguém toma posse! Um país é para valorizar e fazer crescer, para os nossos que ficam e, por isso, temos obrigação de aproveitar e pôr a render muitos dos nossos valores e ativos.
Em vez de acusarmos o mapa por tantas autoestradas, aproveitemo-las para conhecer melhor o território, os seus recursos e oportunidades.
Em vez de apontarmos o dedo ao alegado luxo de algumas escolas, incentivemos os nossos filhos a aproveitar todos os equipamentos e serviços à sua disposição.
Em vez de ficarmos entre o perplexo e o assustado com a banca ou os mercados, procuremos estudar o sistema mais aprofundadamente para descobrir que há muito mais do que ativos tóxicos. Há, aliás, muito mais do que bancos ou crédito caro.
Em vez de atirarmos a matar todos os dias sobre os média e o circo mediático, percebamos que fazemos pior o nosso "jornalismo" privado, nas redes, dando, no mínimo, sinais errados sobre a natureza dos nossos gostos ou necessidades.
Em vez de criticarmos por inércia ou preguiça toda e qualquer ação governativa, esforcemo-nos por conhecer como deve ser tudo aquilo sobre que emitimos opinião e, mais importante, tentemos encontrar o esboço de uma alternativa.
Em vez de olharmos sempre para cima à procura de uma solução, olhemos para o lado, para os outros como nós, e corramos o risco do exercício de uma cidadania muito mais associativa e participativa.
Em vez de reivindicarmos investimentos ou resultados, percebamos que a contrapartida da subsidiariedade é a capacidade de escolher, de não ir a todas e, mais importante, de ser solidário com o vizinho ou o território do lado.
Em vez de nos resignarmos às velhas fronteiras do nosso território ou de nos deixarmos enganar por um V Império messiânico, devotemo-nos à nossa língua, aos nossos autores e artistas, essa, sim, a nossa verdadeira e imortal pátria.
Façamos, pois, como se tivesse havido um terramoto, porque afinal caiu tanta coisa! Em desgraça e na nossa consideração.
Percebamos todos que a única força que nos trazem as ruínas é a de não podermos ficar debaixo delas. E que, por vezes, é verdadeiramente regenerador empurrar o lixo e respirar de alívio.
Aproveitemos o inspirador discurso do Papa no Parlamento Europeu e tentemos reconstruir a cada dia a nossa rua, o nosso bairro e as nossas relações e ambições, colocando, como disse Francisco, a sacralidade das pessoas no centro e desdenhando a fraca rede burocrática e técnica que tantas vezes disfarça a nossa forte e imorredoira preguiça.
À luta, pois, à luta nas coisas pequenas e grandes, onde cada um de nós tem coisas a fazer, a dizer e a melhorar, com a noção de que, ainda que balancemos perigosamente na corda bamba, o brio e o valor de uma comunidade fazem parte da terra a que se agarra porque nela se planta e dela se alimenta. E este jardim à beira-mar plantado há novecentos anos que não se quer com outra gente.