<p>Abdulghappar Turkistani é uigure, um povo nos confins da China, muçulmano na religião e turco na língua. Filho do Turquistão Oriental, estado soberano de curta duração que não sobreviveu ao nascimento do regime comunista. Dado a actividades separatistas, Pequim sempre lhe vigiou os movimentos. Até que, acossado pela repressão, se exilou no Afeganistão talibã. Quando o bombardeamento norte-americano que se seguiu ao 11 de Setembro de 2001 tornou perigosa a presença em terras afegãs, Abulghappar refugiou-se no Pasquistão. Em má hora: ele a mais 22 uigures foram vendidos a Washington por caçadores de prémios, com o rótulo de terroristas. Destino: Guantánamo. </p>
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Hoje, é o preso nº 281 do campo nº 6, a zona reservada aos de mais elevada perigosidade. Vive numa exígua cela sem janelas. É um dos cerca de 50 detidos na base norte-americana em Cuba que um juiz federal declarou inocentes e mandou libertar, mas não tem perspectivas de voltar a ver o sol, porque não há país com vontade de lhe abrir as portas.
Dos seus compatriotas nas mesmas condições, só cinco foram entretanto acolhidos pela Albânia. Nos EUA, onde uma comunidade uigure já se mostrou disponível para os receber - e até para lhes dar emprego - o poder político tem feito gato sapato do judicial. Na Europa impera a hipocrisia e o farisaísmo. Só meia dúzia de países - entre os quais Portugal, honra seja feita ao ministro Luís Amado - admitem vir a participar no esforço da Administração Obama para se livrar de vez da prisão que tão intensamente manchou a reputação norte-americana.
Quando Guantánamo foi transformado num depósito de supostos terroristas, onde se instalou a ideia de que quem estava preso se não era terrorista, bem poderia ter sido, contavam-se pelos dedos as vozes condenatórias - das confissões obtidas sob tortura, das longas detenções sem culpa formada, dos tribunais onde não eram garantidos os mais elementares direitos de defesa. Agora que Obama está apostado em virar uma página da história, os aliados europeus encontram mil argumentos para não colaborarem. Que se o problema foi criado por Washington, Washington que o resolva, que só é admissível uma resposta europeia à questão...
Na Europa, não há quem não jure amizade eterna aos Estados Unidos, quem não faça profissões de fé na partilha dos sagrados valores ocidentais, quem não garanta que preza a relação transatlântica. Na hora da verdade, porém... os norte-americanos que se desenrasquem. Será que, como escrevia Abulghappar em carta ao seu advogado, em Dezembro de 2007, terá de morrer um uigure detido em Guantánamo para que alguém acorde para a situação em que se encontram? Talvez não chegue...