Uma pequena notícia diz-nos que um grupo de trabalhadores verá, finalmente, resolvido um problema de salários em atraso. Em tempos de crise, parecem boas notícias. Há apenas um detalhe. O caso arrasta-se na justiça há mais de 20 anos. Leu bem! Mais de 20 anos. Não faço ideia se haverá factores de actualização. Creio que não. Mesmo que houvesse, o caso continuaria a ser obsceno.
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Outra notícia. Esta de página inteira. Trata do chamado escândalo Madoff. Passa-se nos Estados Unidos, envolve biliões de dólares e afecta um grande número de instituições financeiras. O caso foi detectado há pouco mais de dois meses. As expectativas são que estará resolvido, o mais tardar, lá para Julho.
Sete meses. Vinte anos. O fosso que separa o desenvolvimento do atraso estrutural. Económico e, pior do que isso, democrático e civilizacional. Que leva a que, por cá, não se acredite na Justiça. E se confie, cada vez mais, em soluções paralelas. Não estou a falar de alternativas virtuosas, que aliviam os tribunais e chegam a soluções expeditas, como é o caso da arbitragem. Não é dessas que falo. Falo de outras, bem mais perversas, nos limites da legalidade, quando não completamente fora da lei. Acontecem na cobrança de dívidas, em casos de assaltos, de difamação e em muitas outras situações. A Justiça não funciona! Vai daí, regressa-se à barbárie, ao ajuste de contas directo, ao recrutamento de cobradores mais ou menos violentos. Métodos que se tornam tanto mais populares quanto mais casos, em especial os que envolvem ricos e poderosos, se eternizam e acabam em nada. Qualifica-se a expressão anterior: o não funcionamento da Justiça aproveita a alguns. Passa um cheque sem cobertura? Se for pobre, vai parar à cadeia! Faz uma falência fraudulenta? Desde que possa pagar a bons advogados (a culpa não é deles!), é provável que nada lhe aconteça! (lembra-se de alguém condenado por essa razão?).
Fala-se muito de reformas. E de muitas reformas. Administração Pública, Educação, legislação laboral, Saúde. Todas importantes. Menos que a reforma da Justiça. Já se fizeram contas. Só por si, uma Justiça mais célere aumentaria o PIB num valor significativo. O impacto é, porém, mais amplo. Está em causa a construção de uma sociedade mais justa e liberal. Ao falhar numa das suas funções inalienáveis, o Estado torna-se mais tentacular, substituindo a Justiça por mais normas e regulações. No plano dos princípios, para proteger os mais fracos. Na prática, criando mais situações de conflito e perpetuando os desequilíbrios e a injustiça. A que responde com mais leis. Originando um ciclo vicioso de que emerge uma teia burocrática que tolhe tudo e todos.
Não sou competente para dizer o que é preciso fazer, em concreto. Sei que a situação caótica a que chegou a Justiça portuguesa está a dar lastro a um processo subterrâneo, feito de mal-estar, que mina os próprios alicerces da democracia. Não adianta ao poder político culpabilizar o poder judicial. Ou vice-versa. Ambos são parte do problema. Ambos terão de ser parte da solução.
Enquanto duvidarmos da Justiça, duvidaremos uns dos outros. Não haverá desenvolvimento enquanto não tivermos um sistema judicial expedito, acessível a todos e justo com todos.