Não é fácil a um português perceber o que se passa na política francesa. Quando por aqui se fala em reconfiguração, polarização ou fragmentação política, estamos a falar de fenómenos incipientes. Pelo menos quando comparado com o que se passa em França.
Corpo do artigo
O que diríamos se, numa primeira volta de uma eleição presidencial portuguesa os candidatos dos partidos do centro-direita e do centro-esquerda somassem pouco mais de 6% dos votos, como aconteceu há semana e meia em França?
As contas têm de incluir Macron, dirão alguns, pois que este é o epítome do centrismo, seja ele mais Esquerda ou mais à Direita. Inclua-se, então: na mesma primeira volta, os vários centros, velhos e novos, somaram 34%. Vale a pena lembrar, só para reforçar as diferenças, que, nas últimas presidenciais portuguesas, os dois candidatos que representavam o centro-direita (Marcelo Rebelo de Sousa) e o centro-esquerda (Ana Gomes) somaram 73%.
Mas há outros dados desconcertantes a ter em conta. Somem-se os resultados dos dois principais candidatos mais à Direita (Marine Le Pen) e mais à Esquerda (Jean-Luc Mélenchon). Dá um total de 45%. Quando acrescentamos os resultados dos restantes "radicais" (no sentido em que não fazem parte do centrismo velho ou novo) chegamos a quase 60%. Ainda fará sentido considerá-los "radicais" quando bem mais metade da população francesa os apoia?
Dirão alguns que estas contas já não interessam. Porque, na segunda volta, e como sempre, funcionará o "cordão sanitário". Uma maioria de democratas vai reeleger Macron de forma esmagadora. Le Pen ficará circunscrita a uma minoria de radicais de Direita. Talvez seja melhor pensar duas vezes. Antes do Brexit, a vitória do sim também era dada como garantida, por escassa que fosse a margem. As previsões saíram furadas e o Reino Unido saiu da União Europeia. Antes das presidenciais americanas de 2016, Trump, um misógino, xenófobo e ignorante só podia perder. Foi ao contrário. Na média das sondagens dos últimos dias, Macron tem oito pontos de vantagem sobre Le Pen. Mas a questão que devemos colocar vai para além da eleição de domingo. Alguém acredita que, ganhe quem ganhe, ficará tudo na mesma? Seja em França, seja na Europa? Só se for em Portugal.
*Diretor-adjunto