Houve um tempo, algures entre a adolescência e o início da vida adulta, em que descontente com o Estado Novo e entusiasmado pelas leituras de Marx, Engels, Lenine, Trotsky e Mandel, acreditei que a propriedade coletiva dos meios de produção era a condição para uma sociedade mais justa, em que cada um receberia de acordo com as suas necessidades e daria segundo as suas possibilidades. Já gordo, velho, careca e dependente de óculos de leitura, continuo a achar muito sedutora a ideia de uma sociedade sem exploradores nem explorados, mas, depois de Stalin, Mao e Fidel terem falhado catastroficamente as tentativas de levar à prática a generosa teoria marxista, converti-me à superioridade da economia de mercado.
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Esta conversão só não é abalada pelas pornográficas vigarices dos casos BPN, PT e BES porque sei que elas se devem não ao modelo económico em si mas tão só à sua distorção por uma camarilha de políticos incompetentes, infelizes ou mal-intencionados.
A Revolução desencadeada pelo golpe militar do 25 de Abril destruiu o controlo que meia dúzia de famílias exercia sobre a economia do país, com o beneplácito de Salazar, que lhes garantia monopólios (lei do Condicionamento Industrial) nos mercados protegidos d"aquém e d"além-mar, e o acesso privilegiado ao imenso manancial das matérias-primas das colónias africanas.
Gravemente feridos pelas nacionalizações, os Espírito Santo, Champalimaud ,Mello, etc, renasceram e voltaram do exílio caminhando pela passadeira vermelha que lhes foi estendida pelo Governo de Lisboa por ocasião das reprivatizações.
As privatizações deviam ter sido usadas em benefício dos cidadãos/investidores (o capitalismo popular de Thatcher) ou da recomposição do tecido empresarial, dando músculo aos jovens e dinâmicos grupos nascidos no Norte (Sonae, Amorim, Rar ,etc.) liderados por empreendedores sem medo ao risco e que se expandiam sem ser à boleia dos favores dos Governos ou dos dinheiros públicos.
Mas não. Os sucessivos governos de PSD e PS optaram por devolver o poder às famílias de capitalistas de aviário, que só sabiam viver à custa do Estado, criando uma geração de capitalistas sem capital que sobrevivia com base numa promíscua relação com uma mão-cheia de políticos sedentos de riqueza e sem escrúpulos. O BPN, de Oliveira e Costa, o naufrágio da PT e as poucas-vergonhas do BES são filhas deste modelo, que além de empobrecer o país e torrar o dinheiro dos contribuintes, nos pode fazer descrer na economia de mercado e no princípio de que o privado gere sempre melhor do que o público.
Não é por acaso que somos o único país da Europa Ocidental em que o Partido Comunista ainda mantém uma expressão significativa. Cavaco, Guterres, Durão, Sócrates e Passos são os pais de uma estranha máquina de fazer comunistas.
P.S.: Adoro ler as crónicas, claras e bem escritas, de Azeredo Lopes. Ele pode ser curto de memória (a idade não perdoa) e esconder-se atrás de uma fachada dura, atirando palavras como pedras (infame, pateta, falso, mentiroso, etc.) para agradar ao chefe, mas no fundo, no fundo, tem bom coração. Um tipo que se autorretrata como lingrinhas e caixa de óculos só pode ser um fofo.