Nas últimas décadas a noção de biopolítica tem conhecido muitas variações, do biopoder em Michel Foucault ao uso do corpo como arma em Antonio Negri, passando pela aplicação política da bioética e pela regulação da biotecnologia.
Corpo do artigo
Em todas estas interpretações cruzam-se corpo e poder, com as mudanças provocadas pela ciência e pela tecnologia como pano de fundo. No ambiente de explosão de aplicações e desenvolvimentos da inteligência artificial, o tema tornou-se mais pertinente do que nunca.
O fascínio com o ChatGPT foi em larga escala responsável pela miríade de artigos sobre inteligência artificial, mas o que está em causa vai muito além disso. Estamos confrontados com o uso dos nossos dados e a aprendizagem a partir deles, com a absoluta alteração do nosso conceito do que é a criação, com a intromissão em esferas que considerávamos diferenciadoras do humano e, no limite, com a intromissão em decisões e ações políticas. Até porque, na ausência de consensos para regulação, os decisores tecnológicos estão a tomar avanço em relação aos decisores políticos.
Na semana em que uma carta aberta assinada por académicos e personalidades de todo o Mundo (entre os quais o mais mediático será Elon Musk) dividiu especialistas em inteligência artificial, e em que a Autoridade Italiana para a Proteção de Dados bloqueou o ChatGPT, é oportuno recordar os riscos da tecnologia e a possibilidade de nos deixarmos deslumbrar pelas suas conquistas. Proibir não será o caminho mais adequado, mas importa perceber como queremos regular ou enquadrar o desenvolvimento de "cérebros digitais cada vez mais poderosos".
A forma como encararmos o avanço da inteligência artificial terá consequências no emprego, na economia, na cultura e, envolvendo todos estes aspetos, na política. Ou tentamos enquadrar legalmente o tema e manter um quadro decisório sobre as implicações da tecnologia no corpo, ou permitimos que o experimentalismo continue a fazer caminho. Na ficção, não faltam ensaios sobre o combate homem-máquina. Estamos a esforçar-nos por conseguir que a realidade imite a ficção.
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