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Mais uma vez, o preço do cabaz de Natal aumentou e um dos principais motivos é a guerra na Ucrânia. E se isto não é um motivo prioritário para terminar com a guerra na Europa, eu não sei o que é. Senhor Putin, pode fazer o favor de se retirar de um país soberano? Sim, a destruição a que assistimos é horrível, mas a terraplanagem da nossa mesa de consoada também lhe não fica atrás. É que se isto continua, para o ano vamos ter de celebrar a consoada com uma lata de sangacho e brindar com um pacote de Casal da Eira.
Segundo a Deco Proteste, dos 16 produtos essenciais na mesa de Natal dos portugueses, um dos que mais aumentaram foi o peru. Ora bem, aqui temos de fazer escolhas na nossa ceia, nomeadamente não comer peru. Primeiro ninguém adora peru, segundo quase ninguém sabe cozinhar peru e terceiro o peru só fica bonito nas fotografias de folhetos de supermercados. Outra são as broas castelares e o bolo-rei. Temos de acabar com a mania de acharmos que tem de haver sempre estes artigos de pastelaria na mesa, porque, além de só agradar àquela tia que diz que adora fruta cristalizada mas que nunca vemos comer fruta cristalizada nos restantes 364 dias do ano, há sempre a probabilidade de que nos saia a fava; e se há coisa de que não precisávamos era de mais um motivo para nos sentirmos na merda. Já nos chegou a pergunta "então, quando é que te casas?". Depois é sempre uma chatice porque tem de se fazer sempre comida a mais, porque há aquele primo que não gosta de bacalhau e, surpresa das surpresas, o jantar é realmente bacalhau. O facto é que o desperdício alimentar faz parte da tradição. Toda a gente tem uma especialidade e as nossas tias têm mesmo de trazer um molotoff, uma panela de arroz-doce, outra de aletria, coscorões, sonhos, 27 troncos de Natal, 78 caixas de azevias, lampreias de ovos, mousse de chocolate, que é aquela receita que não pode mesmo faltar, e a nossa avó ainda vai fazer uma travessa de rabanadas, porque sabem melhor quentinhas. Os próprios Reis Magos, que eram realeza e só levaram ouro, incenso e mirra, corariam de vergonha se vissem as tias deste país. A verdade é que, com o valor das portagens e o preço a que estão os combustíveis, este jantar de família fica, cada vez mais, tão caro e complicado, que começa a compensar fazer a ceia naqueles restaurantes de bifinhos com cogumelos e sangria à discrição.
Celebrar o Natal está aos poucos a tornar-se uma experiência de luxo, ali ao lado de um cruzeiro no Mediterrâneo. Hoje em dia, as famílias não se reúnem à volta da lareira, porque a madeira está cara. Estão à volta da mesa enrolados em mantas a fazer fuminho pela boca. Também trocaram os contos de Natal pelas histórias de quanto era um litro de azeite em contos. E a magia dos presentes é a magia que acontece na caixa do supermercado, quando percebemos que, em meia dúzia de coisas, parece que o dinheiro desapareceu.

