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O altruísmo de um Governo em tempos de crise revela sempre duas faces: a boa, e óbvia, ligada à disponibilização de ajudas aos mais carenciados; e a má, que decorre da boa, que nos mostra com crueldade a exata dimensão das necessidades. Cerca de um terço dos portugueses (mais ou menos três milhões de almas) têm rendimentos que os enquadram no patamar das chamadas famílias vulneráveis. São eles os principais beneficiários deste novo pacote de apoios anunciado pelo Governo. São eles a tradução da nossa pobreza estrutural. Mas ter presente esta realidade não nos desobriga de reconhecer o mérito das ajudas ontem aprovadas. Um Estado meramente assistencialista não resolve nada, mas pode ajudar muita gente. E olhando para os rendimentos desse exército de dependentes é mais do que justo reconhecer que tinham de ser eles os prioritários. A estratégia foi, por isso, coerente com o passado socialista recente: acudir aos mais pobres e à Função Pública sem fazer perigar as contas públicas, usando pensos rápidos que são muito sonoros e garantem oxigénio político em momentos de forte agitação institucional. Tudo isto, claro, sem esquecer a natureza social do eleitorado.
Mais uma vez a classe média e as empresas ficaram esquecidas e nem mesmo a promessa de baixar o IVA de alguns alimentos nos dá garantias da obtenção de ganhos. Basta dizer que, num cabaz básico, baixar o IVA de 6% para zero representa uma poupança inferior a dois euros. E depois está por perceber de que forma vai o Governo chegar a um entendimento com produtores e distribuidores no sentido de garantir uma estabilidade nos preços. Fixar sem fixar, é isso?
Por outro lado, o plano de ajudas reflete a preocupação do Governo em manter o brilharete nas contas públicas e, simultaneamente, garantir uma liquidez futura que possa ajudar a aplacar as intermitências da economia europeia e a necessidade de um novo pacote de ajudas. No fundo, é gerir o país com o coração do Estado e a cabeça do partido.
*Diretor-adjunto