Muitos portugueses que ouviram a mensagem de Cavaco devem ter dado um salto do sofá quando aquele disparou um tiro: Portugal caminha para uma "situação explosiva". A verdade é que caminha.
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A mensagem de Ano Novo do presidente da República é uma daquelas peças que deve ser lida e relida. Cavaco Silva prestou ontem um inestimável serviço ao país, ao meter na agenda política o que nela devia estar há muito tempo: a discussão sobre a real situação de Portugal. Ao Governo a discussão não interessa. A Oposição nunca teve arte e engenho para a incentivar. Ficou ontem evidente que o chefe de Estado não concorda com esta ocultação. Ainda bem.
Muitos portugueses que ouviram a mensagem devem ter dado um salto do sofá quando Cavaco disparou um tiro: Portugal caminha para uma "situação explosiva". A verdade é que caminha. Mais importante do que procurar culpados para a tragédia é perceber que caminho e opções a geraram e que caminho e opções devem ser tomados para a ultrapassar. A frase usada por James Carville na campanha de Bill Clinton, em 1992, é estafada, mas aplica-se na perfeição ao raciocínio do chefe de Estado: "É a economia, estúpido!".
É, de facto, a economia. É o défice das contas públicas, é o desemprego, é o endividamento externo, é a falta de produtividade e competitividade, é a excessiva presença do Estado na economia... É tudo isso que, citando o chefe de Estado, contribuirá, se não for resolvido, para hipotecar "o nosso futuro, o futuro dos nossos filhos". É daí que nasce "uma das encruzilhadas mais decisivas da nossa história recente".
Já oiço a soar alto os trombones dos que vêem nisto a subjugação da política à economia. Já oiço as vozes dos costumeiros puros a gritarem contra os inultrapassáveis tiques tecnocráticos de Cavaco. Estão enganados: o presidente da República colocou as coisas no seu devido sítio. Quem não perceber isto está longe de perceber o essencial: os custos das não- -decisões em momentos cruciais são, numa empresa como num país, elevadíssimos.
Claro que este arrojado, mas responsável, posicionamento de Cavaco Silva lhe cria um problema. Com esta quase inédita graduação do discurso, o chefe de Estado obriga-se não apenas a monitorizar o caminho, mas a tentar influenciá-lo. Quer dizer: a chamar o Governo (e a Oposição) à pedra, sempre que tal for necessário. Deve ser isso que Cavaco quer sublinhar com afinco, quando diz no discurso: "Não posso ficar calado".
Com um Parlamento fragmentado, com a Direita sem candidato governamental, com a Esquerda sem candidato presidenciável, com eleições a um ano de distância, trata-se de um delicado exercício político. Delicado e arriscado, porque Cavaco também sabe que o seu futuro se joga aqui no meio.
A seguir. Com muita atenção.