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Como é da praxe, o primeiro-ministro dirigiu-se aos portugueses neste Natal. Confesso que estava com uma enorme curiosidade sobre o que diria Pedro Passos Coelho num tempo tão difícil e no mais amargo dos natais das últimas dezenas de anos. Fazer uma comunicação ao país nestas circunstâncias não é tarefa fácil.
Tendo bem presente as suas sucessivas afirmações como chefe do Governo de que nunca ocultaria aos portugueses a realidade, por mais dura que ela fosse, e que nunca assumiria o papel de vendedor de ilusões, esperava-se um discurso realista sobre o momento que vivemos, indiciando desde logo que o ano não teria corrido tão bem quanto o esperado. De posse de informação privilegiada, o primeiro--ministro sabia aquilo que nós vamos sabendo aos poucos, nomeadamente o que agora tornou público o INE. É que ainda que venha a acontecer um milagre, ele já não pode ter a dimensão que permita que as metas e objetivos traçados pelo Governo sejam atingidos neste ano. Hoje em dia, mesmo os milagres têm limites.
Daí a expectativa criada quanto ao tom pesado da mensagem. Mas não. Surpresa das surpresas, afinal anuncia-se pela terceira vez, com dois anúncios num curto espaço de tempo, o fim da crise. Ou melhor. Ainda sem data marcada, anuncia-se que estamos "hoje muito mais perto" de "declarar vitória sobre a crise". E porquê? Porque "Condição essencial para sermos vitoriosos...é renunciarmos de uma vez por todas ao pessimismo que marcou a nossa história recente". Muito bem. Parece podermos concluir que se formos otimistas a coisa resolve-se!
O primeiro-ministro não surgiu agora para a vida política. Bem pelo contrário, fez-se na política e tem um longo percurso na vida partidária e na vida pública. Sabe, portanto, que afirmações irrealistas, rapidamente contrariadas pela realidade, têm consequências para quem as profere.
É, por outro lado, evidente que Pedro Passos Coelho preparou esta sua comunicação ao país e não improvisou no momento de intervir. É razoável pensar-se que ponderou o que dizer e como dizer.
Então, uma de duas - ou não sente o país, por estar cada vez mais enclausurado em São Bento, furtando-se já a ler e a ver o que se diz e, sobretudo, o que dele se diz; ou procurou incutir nos portugueses alguma esperança de que melhores dias se aproximam, na perspetiva de que " para sermos vitoriosos " há que renunciar ao pessimismo.
É de crer que esta segunda hipótese tenha tido mais peso na sua comunicação, apesar de não ser de excluir totalmente a primeira. Assim sendo, como é possível enveredar por este caminho? O Governo sabe que a generalidade das metas que traçou para este ano não será atingida. O desemprego disparou e o desemprego juvenil estava no segundo trimestre já acima dos 50%. O crescimento negativo do PIB será mais grave do que o esperado. O défice, ainda que seja permitido contabilizar algum "doping", vai ser mais grave que o previsto. A dívida é já mais elevada que a meta e nem que a privatização da ANA abata integralmente o seu valor poderá chegar aos patamares esperados. As falências não param de crescer, o que não espanta ninguém, face à forte contração da procura interna. E o Governo não sabe disto? Sabe e sabem-no as organizações internacionais que acompanham a situação portuguesa.
É evidente que a confiança é um fator preponderante para a recuperação do país. A mobilização dos agentes económicos e dos cidadãos em geral é essencial para que tal aconteça. Mas sem uma forte credibilidade a corrente não passa. Os destinatários da mensagem sentem-se enganados e, a partir de agora, só os acontecimentos os podem fazer acreditar num futuro melhor.
Pedro Passos Coelho não foi feliz nesta sua intervenção.
Agora que um novo ano desponta, os meus votos são para que eu me tenha enganado. Que este meu vaticínio falhe rotundamente. E que o Governo consiga superar todas as metas e objetivos traçados para 2012. Talvez assim possamos acreditar num melhor 2013.