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Durante mais de 50 anos de democracia, e apesar da intensidade ou da maior crispação da luta partidária, a exteriorização das mensagens nos outdoors políticos nunca foi capaz de levantar um mar de dúvidas sobre a ultrapassagem dos limites da lei ou sobre o preenchimento de cláusulas penais. Com farpas e sátiras, por vezes com os naturais exageros que alimentam a boçalidade de uma mensagem panfletária, síntese caça-votos, os slogans políticos passaram por ataques homem a homem, aos homens e às suas circunstâncias, ocorreram virais, disruptivos ou provocatórios, mas nunca visaram um grupo, uma etnia, uma raça ou um credo, um conjunto de cidadãos.
Durante 50 anos foi assim, até hoje, num contexto onde se discute a lei da nacionalidade e a lei dos estrangeiros, e um líder partidário clama por três Salazares, o ditador português que distribuiu a riqueza de um país por meia dúzia de famílias, manteve o povo na iliteracia e na miséria, prolongou a guerra, matou e torturou, afundou o país o quanto pôde em 50 anos de trevas, pobreza e atraso.
Portugal não é o Bangladesh, mas, criada que estava a República de Weimar, a Alemanha de 1919 também não era a Polónia quando os nacionalistas, protofascistas, já colavam cartazes antissemitas nas paredes culpando os judeus pela tensão política, pela crise económica e pela inflação. Até 1933, foi um piscar de olhos. Em Portugal, de 2019 até 2025, foram precisos apenas seis anos para um partido de deputado único com 1,26% em eleições legislativas criar agora uma narrativa xenófoba, racista e trágica, reflexo da sua miséria humana.
Interessa pouco saber se é crime ou não, quando é evidente que uma eventual retirada dos cartazes traria todo o protagonismo que se pretende. André Ventura sabe que mente, que glorifica a ignorância e que joga com as emoções mais primárias nas pessoas que não têm memória, interesse ou conhecimento. Mas fá-lo como fará sempre, a rir-se do que provoca e da tolice de quem lhe ampara os golpes. Desde logo, a Comunicação Social, sedenta de sangue e audiências, incapaz de perceber que germina a sua própria destruição.
Há muito que os cartazes do Chega falam em "limpeza" ou em "limpar Portugal" com cruzes por cima da imagem de pessoas tão díspares como António Costa, Ricardo Salgado, Fernando Medina e José Sócrates, "50 anos de corrupção" misturando imagens de Luís Montenegro e Sócrates, usando "tachos", "bandidos" ou "roubalheira" para caracterizar a classe política que sempre lhe permitiu tudo. Ninguém quis evitar o que quer seja. Normalizaram a violência, o insulto, vulgarizaram a mentira e as meias-verdades. Que ninguém se queixe, que ninguém diga que não foi avisado. Mas, sobretudo, que ninguém tente vender - novamente - a ideia de moderação e da sua adaptação ao sistema. Se assim for, virá o dia em que "lorpas" será acrescentado ao léxico dos cartazes.

