Regresso hoje de férias, depois de duas semanas passadas no Algarve, o que, previno desde já, foi decidido há mais de um ano, não vá o leitor pensar que obedeci cegamente ao nacionalismo do senhor presidente da República, ou me decidi revoltar contra o cosmopolitismo internacionalista do senhor ministro da Economia.
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De pouco me interessam todas essas tricas já que, sendo obrigado a cumprir o chorrilho de leis que todos os dias nos são impostas, a pagar um tributo intolerável para sustentar o Estado falido e exíguo, e a tolerar a suspeição com que sou olhado pelos seus burocratas, a última coisa que me importa é o que os senhores que mandam neste país pensam sobre o meu destino de férias. Enquanto as puder gozar, hei-de ir para onde muito bem quiser, seja ou não o meu destino politicamente incorrecto, já que entendo que tenho o dever de cidadania de cuidar de uma das poucas liberdades individuais que me restam.
Escolhi o Vau porque gosto do Algarve, onde me posso dar ao luxo, ainda não tributado, de fazer férias na primeira metade de Julho onde o clima é fiável e tudo ainda funciona razoavelmente enquanto não o assaltam as grandes enchentes. Ainda assim, evitei utilizar o carro a não ser para um ou outro jantar, ou para os inevitáveis reabastecimentos da dispensa, porque, mal se volta as costas ao mar, depara-se com o caos urbanístico, com a proliferação de mamarrachos fiéis à arquitectura pseudo-arabesca (um estilo piroso que alguém inventou para o Algarve e que todos, desde os mais humildes construtores civis aos milionários da Quinta do Lago, insistem em replicar), com o espaço público abandalhado por restos e vestígios de obras inacabadas, com os passeios pejados de palmeirinhas importadas e raquíticas…
Felizmente, ainda não conseguiram estragar a praia algarvia. Gosto particularmente da praia do Barranco das Canas, ou do Alemão, como toda a gente lhe chama, a dois passos do Vau, e que, nesta altura, só se enche aos domingos. Mas, até esse prazer último, o de estar numa praia que resiste à destruição da paisagem algarvia, parece estar em risco. Tudo porque, como se sabe, as arribas vão dando de si por razões naturais e tem havido derrocadas, como sempre aconteceu e esta semana se repetiu, exactamente na praia do Alemão. É claro que não faltam os avisos e sinais de perigo, nas falésias e na entrada de cada praia, onde há fotografias aéreas em que as zonas de risco estão bem assinaladas. Mas, como se sabe, não há medida de prevenção que converta os portugueses ao bom senso. Depois dessa pequena e inócua derrocada, que fez as delícias da Comunicação Social e dos mirones, numa zona que a Polícia Marítima se apressou a vedar com fitas plásticas, tudo voltou ao "normal", com inúmeras famílias a protegerem-se do sol encostadas às arribas. Confesso que não consigo ter pena da estupidez humana, principalmente quando ela se mistura com a irresponsabilidade e com a falta de civismo.
O que me preocupa é que, um dia destes, uma vulgar derrocada vai estropiar um desses suicidas, ou lapidar um dos seus inocentes rebentos e, quando isso acontecer, entre gritos e protestos, o nosso Estado Providência vai tomar conta do assunto. Quando essa hora soar e essas praias forem interditadas, se os ambientalistas conseguirem impedir que as arribas sejam demolidas ou emparedadas, terá chegado a minha hora de me resignar a dizer adeus ao Algarve, e optar pelo Caribe…